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Martha Medeiros

No interessante livro HOMEM LENTO, de J.M.
Coetzee, há uma passagem que me marcou.
É um confronto verbal entre o personagem principal do livro, um homem de mais de 60 anos que teve uma perna amputada depois de um acidente de bicicleta, e um garoto adolescente.
Ambos estão no sombrio e decadente aparatamento do velho, que resmunga: "Eu fui ultrapassado pelo tempo.
Este apartamento e tudo o que existe dentro dele foi ultrapassado pelo tempo".
O garoto pergunta se ele não gosta de coisas novas.
O velho (que nem é tão velho) responde: "Isso tudo um dia foi novo.
Tudo no mundo um dia foi novo.
Até eu fui novo.
Na hora em que nasci, eu era a coisa mais moderna da face da terra".
Nada é tão moderno quanto nós ao nascermos.
Sublinhei.
Prosseguindo o diálogo, o garoto então comenta, como quem não quer nada, que um dia foi visitar o avô para mostrar como funcionava um computador.
O avô era bem velho e também tinha sido ultrapassado pelo tempo.
Hoje fazia compras pela internet, enviava e mails, recebia fotos.
"E daí ", pergunta o mal humorado sem perna.
"Daí que dá pra escolher".
Eis uma frase, uma verdade, um verso: dá pra escolher.
Todo dia, ao levantar da cama, eu procuro me lembrar: dá pra escolher.
Nem eu nem você estamos jogados ao léu, nas mãos do destino.
Não temos controle sobre tudo, mas dá pra escolher entre ter amigos ou viver recluso, dá pra escolher entre privilegiar um amor ou ter vários casos superficiais, dá pra escolher entre participar ativamente de um projeto que alavanque nosso bem estar ou ficar de fora apenas criticando, dá pra escolher entre se refugiar num lugar tranqüilo ou aprender a lidar com o stress urbano, dá pra escolher entre levar a vida com bom humor ou levar a vida na ponta da faca.
Tudo é uma escolha, inclusive ser velho ou ser jovem, e isto não se resolve apenas numa clínica de estética.
Todas as nossas escolhas passam pelo estado de espírito.
É ele que vai determinar se vamos viver uma vida mais simples ou mais complicada, mais solitária ou mais social, mais produtiva ou mais lerda.
Dá pra escolher entre ser carnívoro ou vegetariano, entre fumar ou não, entre correr na praia ou ficar um pouco mais na cama, entre jogar paciência ou ler um livro, entre amores serenos ou amores turbulentos.
Se a escolha será acertada, aí já é outro assunto, o futuro vai dizer.
Pensando bem, acertos e erros nem estão em pauta aqui.
O que importa é ter consciência de que ficar sentado esperando que a vida escolha por nós não é uma opção confortável como parece.
Descansados da silva, vem o tempo e crau: nos ultrapassa.

VELHOS AMIGOS, NOVOS AMIGOS
Quem é seu melhor amigo(a) Deixe ver se adivinho: estuda na mesma escola ou cursinho, tem a mesma idade (talvez um ano a mais ou a menos), freqüenta o mesmo clube ou a mesma praia.
Se errei, foi por pouco.
Não é vidência: minha melhor amiga também foi minha colega tanto na escola quanto na faculdade e nascemos no mesmo ano.
São amizades extremamente salutares, pois podemos dividir com eles angústias e alegrias próprias do momento que se está vivendo.
Mas fique esperto.
Fechar a porta para pessoas diferentes de você é sinal de inteligência precária.
Durante a adolescência, é vital repartir nossas experiências com pessoas que pensem como nós e que tenham o mesmo pique: é importante sentir se incluído num grupo, de pertencer a uma turma.
Perde se, no entanto, o convívio com pessoas de outras idades e de outros "planetas", que muito poderiam lapidar a nossa visão de mundo.
Entre iguais, tudo é igual.
A vida ganha movimento é na diferença.
Se você é rato de biblioteca, iria se divertir ouvindo as histórias contadas por um alpinista experiente.
Se você tem muita grana, ficaria surpreso em saber como dá duro o cara que trabalha de
dia para poder estudar à noite e o quanto ele precisa economizar para tomar dois chopes no sábado.
Se você curte música, seria bacana conversar com quem curte teatro.
Se você é derrotista, seria uma boa bater um papo com quem já sofreu de verdade.
Você, que se acha uma velha aos 27 anos, iria se divertir muito com os relatos de uma cinquentona irada.
E você, beirando os 60, se surpreenderia com a maturidade de um garoto de 18.
Para os de meia idade, nada melhor do que ter amigos nos dois extremos: da garotada que lhe arrasta para dançar até aqueles que estão numa marcha mais lenta, que já viveram de tudo e de tudo podem falar.
A cabeça da gente comporta rafting e música lírica, videoclipes e dança flamenca, ficar com alguém por uma noite e ficar para sempre.
É importante cultivar afinidades, mas as desafinações ensinam bastante.
No mínimo, nos fazem dar boas risadas.
Vale amizade com executivo e com office boy, com solteiros e casados, meninas e mulheraços, gente que torce para outro time e vota em outro partido.
Vale sempre que houver troca.
Vale inclusive pai e mãe.