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Alessandro Lo Bianco

Ainda na Praça do Russel encontro com 'Biafra' 7h25.
Pode ser visto bem cedo com uma espécie de lata de tinta um pouco mais profunda onde guarda suas coisas conectada a um pneu de bicicleta, que serve como uma alça para carregar sua bolsa no ombro.No meio da tampa, vejo colado uma foto do cantor Biafra.
Tudo toscamente feito.
Ou nem feito.
Biafra aprendeu a não descartar as coisas tão rápido.
Por isso, seu latão, ou melhor, sua bolsa, é composta também por uma série de pregos martelados ao redor da tampa, dando a forma da desgraça.
Nos espaços entre os pregos, observo formigas num entra e sai como se o latão fosse um apartamento de formigas.
Ele diz: "Ah se elas comerem toda a minha maça.
Tive que usar os pregos como solda, e meu baú deixou de ser impermeável", justifica.
Pergunto se ele pode abrir seu armário para eu observar melhor.
"Minha vida é um livro aberto, pegue você mesmo".
Abro o latão e uma camisa do Botafogo, número 7.
Em seguida, formigas.
Logo depois, a maça, um pente, uma faca pequena e uma carteira do exército com sua foto, 19 anos, servindo no Forte de Copacabana.
Apenas isso.
Pergunto sobre a blusa do Botafogo enquanto guardo tudo novamente no latão e ele responde: "Não gosto de futebol.
Achei essa camisa jogada no aterro e peguei".
Pergunto sobre o pente: "Tem uma moça que gosta de mim, e como não sei quando ela aparecerá novamente é bom estar sempre com ele aí." Não pergunto sobre a maçã, pois, por precaução, já me antecipo: "você não tem cara de assaltante Biafra, ou, se tem, agora não tem mais porque sou eu, então a maçã é pra comer e a faca pra cortá la.
Ele nada responde.
Pergunto sobre a foto do Exército no Forte de Copacabana e ele diz que é apenas uma foto.
"Isso aí é melhor não lembrar".
Pergunto se ele deseja que eu coloque novamente as formigas no latão e tento quebrar uma potencial lembrança ruim.
Ele reponde então que poderia fazer um latão pra mim, pois teria me achado "um cara legal" e "diferente".
Digo que meu negócio é mulher e ele cai na risada.
Mas, depois da brincadeira, observo a mega elefantíase ou algo que não seja menos do que isso em uma das suas pernas.
"Pô, Biafra, e eu que sou diferente O que você arrumou aí na perna, cara, já foi num hospital " Ele reponde: "Fui no Rocha Maia, UPA, num monte de lugar e todo mundo olha e diz que tenho que ir a outro lugar.
Desisti faz tempo, Ninguém encosta." Digo apenas "entendi" e sigo meu caminho.
Fato é que nunca mais conseguirei escutar as palavras lata, latão, tinta ou latas de tinta, e não lembrar do Biafra.
Quis tocar no assunto "Deus", mas só deu tempo de escutá lo dizer que é algo difícil de acreditar.
E completou: "Não pra você rapaz, e sim pra mim".
Possivelmente não terá nem um enterro em cova rasa pago pela municipalidade, pois a mesma não quis nem tratar a sua perna.
Uma coisa, porém, é certa: irá para o mesmo lugar onde vão os reis de verdade.

Sentado aqui na minha varanda, sozinho, olhando as luzes de tantas janelas em tantos prédios, e já na segunda taça de vinho, penso que a felicidade é uma palavra de difícil qualificação Comparada com uma cor, certamente teria várias nuanças.
Pode significar o estado de um ser ditoso, contente, alegre, de sorte, enfim, um indivíduo satisfeito com a vida por vários motivos.
E, nesta variedade de motivos, cabem várias reflexões.
Sem dúvida, a felicidade é um estado de espírito e, por isso, muito pessoal e variável.
De modo que a razão da felicidade de um, pode ser por outro ângulo, ainda que contrariamente, a razão da felicidade de outro.
Exemplo: o portador da boa saúde, forte, belo, econômica e financeiramente bem, é feliz por estas circunstâncias; outro, doente, feio, fraco e pobre, por motivos de crença kardecista, pode se sentir satisfeito e feliz, por admitir pelo que crê, que ao reencarnar ele mesmo escolheu uma vida de sacrifícios, para purgar erros e faltas cometidas em vidas anteriores e, com isso, atingir a perfeição espiritual, para ele mais valiosa que tudo.
É feliz por isso.
Um outro católico praticamente por viver bem e agraciado por pedir e receber dádivas celestiais que lhe são proporcionadas por seu deus e seus santos de devoção, vive deitado no armarinho da gratidão e felicidade; outro, da mesma crença, levando vida de cão, sofrendo agruras; julga se, também, conformado e feliz por considerar que tudo que sofre é um desígnio da divina providência e como tal deve entender como justo e aceita conformado e até agradecido.
É feliz também a seu modo.
Em outras palavras, o que é ótimo para uns pode ser ainda que em sentido completamente oposto, também aceitável para outro.
Uma espécie de felicidade pelo avesso.
O interessante é que este estado de espírito pode ser sentido, em certas circunstâncias, por uma coletividade inteira, ora sob o aspecto positivo, ora sob o aspecto negativo.
Assim, a chuva diluvial que atingiu inúmeras vezes o Rio de Janeiro e, principalmente a Região Serrana, destruindo barracos nos morros e atingindo, também bairros elegantes da zona sul do rio; essa chuva que levou um prefeito a apelar para oração para que não mais chovesse, pois não tinha meios para socorrer os desabrigados, é, sob outro aspecto, a mesma chuva salvadora de vidas em todo o Rio, que poderá salvar os reservatórios, mais uma vez que, sob um terceiro aspecto, vivemos há décadas dos eternos políticos que assentam as nádegas nas cadeiras do congresso.
O furacão que arrasta cidades, derruba torres, afunda barcos e mata muita gente nos EUA, considerado dos mais adiantados locais de progresso do mundo é o mesmo vento forte que no Saara, com o nome de Simum, refresca a atmosfera tórrida do Norte da África, estendendo sopro quente através do Mediterrâneo, temperando o clima de todo sul da Europa, considerado o ideal para o turismo da região.
Como se vê, a felicidade não é facilmente definível.
Tudo depende das circunstâncias.
Enfim, as luzes acesas de cada janela desses prédios, tão distantes, continuam iluminando o que estou vendo agora.
Tim Tim.