Prezado Eu,
Tente me esquecer, jogue fora seus status de vida, suas bagagens, seus conhecimentos e suas viradas de olhos.
Tente cuspir na minha cara, tente revidar o tapa dado, tente sentir essa dor que não passa, não sossega.
Tente rasgar minha roupa, rasgar a alma, tente defecar em meus pensamentos, é tudo o que mais quero.
Tente se por na minha pele e acorde pra escuridão, tente ser ridículo a ponto de chorar de felicidade da liberdade de não ser eu por segundos.
Tente me amar, dessa maneira rude e ridícula, dessa maneira farta e podre.
Tente mergulhar comigo nos vieses da consciência e ver tudo o que já passei, tudo o que sofri, tudo o que vomitei e que precisei engolir novamente.
Tente quebrar os pratos que quebrei, tente regurgitar as pedras que levei na face, tente dormir com os julgamentos que me foram lançados.
Tente crescer com essa força contrária, tente andar com os pés voltados, tente se proteger sem amor, sem carinho, com dor.
Tente me dizer que as dores são pequenas, esforce se.
Tente diminuir todas as situações deploráveis, as humilhações, as descrenças.
Tente apagar a violência sofrida, a miséria anunciada, o choro engolido.
Tente engolir minhas lágrimas, tente lamber meu suor, tente ser doce do salgado, quente no frio.
Quente e frio.
Tente o gelo sobre a dor, tente o fogo no amor.
Tente a ferida escarrada, tente o ouvido destampado, tente sentar na minha cadeira.
Tente, tente chorar minhas lamúrias, tente me amar, assim, desalmado.
Tente acreditar, tente desvendar, tente olhar.
Tente rever, reparar, remar, riscar.
Tente rabiscar, tente apagar, tente borrar.
Tente cortar, tente costurar, tente ferir.
Tente, tente.