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Erica Gaião

É que a vida tem um jeito estranho de dizer suas entrelinhas.
Algumas coisas são ditas dentro das mesmas circunstâncias, entre os momentos que mudam e os fatos que se alteram, e tudo continua no mesmo lugar.
É que a vida tem um jeito estranho de revelar a realidade.
Àquela que existe no intervalo entre o que se quer e o que se tem, mas quando se está nela, não é uma coisa nem outra, e sim um fragmento da ilusão.
É que a vida tem um jeito estranho de contar certas verdades.
Algumas são contadas de um modo, ouvidas de outro e, ao final de tudo, não passam de invenção dos sentidos.
É que a vida tem um jeito estranho de apontar novos caminhos.
Alguns têm atalhos que mudam a direção, se distanciam do ponto de partida, e voltam para o mesmo lugar.
É que a vida tem um jeito estranho de fazer perceber suas incertezas.
Algumas vezes o presente é uma certeza absoluta, mas no intervalo entre o agora e o daqui a pouco, tudo muda, e a mesma certeza se transforma em um pequeno detalhe pertencente ao passado.
E o amanhã nem chegou ainda
É que a vida tem um jeito estranho de explicar os sentimentos.
Muitas vezes os que ocupam os espaços de afeto do lado de dentro, não são os mesmos experimentados do lado de fora.
É que a vida tem um jeito estranho de fazer compreender o que é a felicidade.
Alguns a perseguem durante uma vida inteira e não a encontram; outros sequer se preocupam com ela, e são em si a sua mais pura expressão.
É que a vida tem um jeito estranho de ensinar o significado de ausência.
Como entendê la se ao fechar os olhos vem logo ao encontro a presença
É muito estranho esse jeito que a vida tem de dizer certas coisas
Talvez, nesse jeito tão estranho de dizer, resida toda a sua poesia!

Em silêncio levantou e abriu a janela.
Contemplou, com olhos de amor à primeira vista, aquela manhã surpreendente.
O sol que brilhava intensamente lá fora tocava suavemente a sua face; sentia um calor na alma, semelhante ao calor do sangue que corria em suas veias Era a vida se descortinando, se revelando na sua própria delicadeza.
Era a vida se fazendo na mais pura beleza.
Do lado de fora, sob àquela paisagem que pouco a pouco se manifestava, identificava com riqueza de detalhes, cada um de seus pedaços; percebia no frescor daquela manhã, cada um de seus desejos Na paisagem emoldurada, a natureza viva lhe falava sobre as suas verdades ocultas.
E cada uma delas, no seu tempo, sob a luz do sol, ia tomando forma e se transformando em cenas do seu cotidiano.
Na sutileza daquele mágico momento, ouvia a voz da sua memória.
Era um sopro de eternidade trazido pela agradável brisa que vinha do lado de fora.
Na memória, traços de alegria revelavam lembranças daquele tempo em que nada era capaz de lhe roubar a esperança.
Ainda em silêncio, permaneceu ali, pensando em tudo que havia experimentado: nos amores e seus sabores; nos dissabores, também.
Nos julgamentos, nos encontros, nos desencontros Sob o véu da reflexão surgiam por dentro, sentimentos dos mais variados.
Uma mistura híbrida de sentimentos que contrastavam com a beleza daquela paisagem.
Era em parte solidão, mas na solidão havia um pedaço de presença; no medo, a coragem; no começo, o fim.
De repente, um inesperado vento soprou lhe a face, levando com ele os maus sentimentos, trazendo de volta a esperança que havia se perdido dentro do baú das recordações.
A partir daquele dia, cada vez que abria silenciosamente a janela, ouvia um cântico, entoado pelo som da sua própria voz, dizendo que o sol que descortinava a escuridão do quarto era o mesmo que iluminava por dentro.