Jorge Bettiol

No colo paterno a bebê dormia.
O coraçãozinho batia suave, sereno.
O homem, esticado na confortável poltrona, transbordava felicidade.
E, sossegado, adormeceu.
O relógio, entretanto, chamou lhe a atenção
Ao abrir os olhos deparou se com aquela mocinha linda, esfuziante por tanta vida.
Esplendorosa e meiga nos seus 15 anos.
Hora de mais encanto.
E de bailar,com a licença do tempo, sentindo a brisa das mudanças

Saiu do elevador.
Poucos passos até a porta.
Não havia campainha.
Entrou.
Recepcionado por sorrisos e a mesa farta de alimento.
Não demorou para sentir pulsar o desejo.
O coração, sem cerimônia, foi afoito: disparou trezentos e dezoito batimentos.
A história, agora impregnada de saudade, quem conta é a memória

Na real, assalariado não tem medo do "fim do mundo".
Só receio do final de mês (ainda mais se for servidor público).

"Absurdo! Atacam meu sustento, meu trabalho, meu salário ,meus direitos
Causam dificuldades econômicas no meu cotidiano,transtorno aos que dependem de mim! Filhos, família, todos atingidos por esta corja de aproveitadores que atacam os trabalhadores, vivem da política e sugam o Estado! Inaceitável! Indignante!
Alguém tem que fazer algo por mim!!! " E seguiu esbravejando (porém, sem testemunhas ou interlocutores e atento ao tom de voz para não perturbar seus senhores ) enquanto seguia,inerte, de espectador da própria vida despedaçada

"Pai, pai, paêêê! " O que foi, meu amor "Tu sabia que a professora disse que eu sou muito inteligente " É mesmo É o que sempre o papai te fala: és mesmo!!! Um orgulho!
"E ela disse que, quando eu crescer, vou ser artista! " Mas, que bacana filhota!
A brincadeira seguiu, tranquila, ali no chão.
Cercados de bonecas, os dois rindo e se divertindo.
O pai admirado.
Imaginando o quanto a estrelinha meiga de tanto brilho neste início de jornada esbanjará de luz no grande palco da vida

Sopra forte o vento da primavera.
É o redemoinho da vida estipulando novos .
encontros e,logo adiante, o aceno das despedidas.
Deslizando nas calçadas encharcadas por intempéries e perdas o gesto espontâneo, singelo, permanece: lá está o homem desviando a mirada (de maneira quase imperceptível) para as janelas dos bistrôs e cafés.
Busca o semblante alvo, as feições,o sorriso
O rosto daquela mulher desafiando a contagem do tempo segue rabiscando
e marcando sua alma