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Martha Medeiros

O tempo perdoa tudo
Se alguém mata uma pessoa e consegue escapar da polícia, mantendo se fora do alcance da lei por um longo período,o crime prescreve.
Vinte anos depois do delito cometido, fica extinguida a punibilidade do criminoso por o estado não tê lo julgado e condenado em tempo hábil.
Agora pense bem: se até a Justiça admite que depois de os ânimos serenarem ninguém precisa mais de castigo, talvez a gente também devesse suspender a pena daqueles que cometeram crimes contra o nosso coração.
Mágoas entre pais e filhos, por exemplo.
Não tem nada mais complicado do que família, você sabe.
Amor à parte, os desentendimentos são generalizados, e às vezes uma frustração infantil segue perturbando a gente até a idade adulta.
Seu pai nunca lhe deu um abraço É um crime fazer isso com a criança, mas é preciso prescrevê lo.
Vinte anos depois, não da para continuar usando essa justificativa para explicar por que você usa drogas ou por que não consegue ser afetuoso com os outros.
Cresça e perdoe.
Você jurou que nunca mais iria falar com aquele seu amigo que lhe dedurou no colégio Eu também acho que duderagem é falta de caráter, e você teve toda a razão de ficar danado da vida.
Mas quanto tempo faz isso O cara agora está jogando futebol no seu time, tem sido um companheirão, e você segue não baixando a guarda por causa daquela molecagem do passado.
Releve e chame o ex inimigo para tomar uma cerveja, por conta dos novos tempos.
Dureza, agora: ele foi o amor da sua vida.
Chegaram a noivar.
Você já estava comprando o enxoval quando o cara terminou tudo.
Por telefone.
Não deu explicação: rompeu e desligou.
Na mesma semana seguinte foi visto enrabichado numa bisca.
Você deseja ardentemente que ambos caiam numa piscina lotado de piranhas famintas.
Apoiado.
Mas faz quanto tempo isso Você já casou, ele já casou, aquela bisca não durou nem duas semanas.
Por que ainda fingir que não o vê quando o encontra num restaurante É bandeira demais ficar tanto tempo magoada.
E a tal superioridade, onde anda Dê um abaninho pra ele.
Se quem estrangula e degola recebe o perdão da sociedade depois de duas décadas, os pequenos criminosos do cotidiano também merecem que a passagem do tempo atenue seus delitos.
Não cultive rancor.
Se não quiser mais conviver com aquele que lhe fez mal, não conviva, mas não fique até hoje armando estratégias de vingança.
Perdoe.
Vinte anos depois, bem entendido.
Texto do livro NON STOP, dezembro de 1999

VELHOS AMIGOS, NOVOS AMIGOS
Quem é seu melhor amigo(a) Deixe ver se adivinho: estuda na mesma escola ou cursinho, tem a mesma idade (talvez um ano a mais ou a menos), freqüenta o mesmo clube ou a mesma praia.
Se errei, foi por pouco.
Não é vidência: minha melhor amiga também foi minha colega tanto na escola quanto na faculdade e nascemos no mesmo ano.
São amizades extremamente salutares, pois podemos dividir com eles angústias e alegrias próprias do momento que se está vivendo.
Mas fique esperto.
Fechar a porta para pessoas diferentes de você é sinal de inteligência precária.
Durante a adolescência, é vital repartir nossas experiências com pessoas que pensem como nós e que tenham o mesmo pique: é importante sentir se incluído num grupo, de pertencer a uma turma.
Perde se, no entanto, o convívio com pessoas de outras idades e de outros "planetas", que muito poderiam lapidar a nossa visão de mundo.
Entre iguais, tudo é igual.
A vida ganha movimento é na diferença.
Se você é rato de biblioteca, iria se divertir ouvindo as histórias contadas por um alpinista experiente.
Se você tem muita grana, ficaria surpreso em saber como dá duro o cara que trabalha de
dia para poder estudar à noite e o quanto ele precisa economizar para tomar dois chopes no sábado.
Se você curte música, seria bacana conversar com quem curte teatro.
Se você é derrotista, seria uma boa bater um papo com quem já sofreu de verdade.
Você, que se acha uma velha aos 27 anos, iria se divertir muito com os relatos de uma cinquentona irada.
E você, beirando os 60, se surpreenderia com a maturidade de um garoto de 18.
Para os de meia idade, nada melhor do que ter amigos nos dois extremos: da garotada que lhe arrasta para dançar até aqueles que estão numa marcha mais lenta, que já viveram de tudo e de tudo podem falar.
A cabeça da gente comporta rafting e música lírica, videoclipes e dança flamenca, ficar com alguém por uma noite e ficar para sempre.
É importante cultivar afinidades, mas as desafinações ensinam bastante.
No mínimo, nos fazem dar boas risadas.
Vale amizade com executivo e com office boy, com solteiros e casados, meninas e mulheraços, gente que torce para outro time e vota em outro partido.
Vale sempre que houver troca.
Vale inclusive pai e mãe.