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Rubem Alves

Num dos meus momentos de vagabundagem, um pensamento me apareceu que fez uma ligação metafórica entre lâmpadas e inteligências que nunca me havia passado pela cabeça.
Tratei, então, de seguir a trilha.
As lâmpadas servem para iluminar.
Para isso são dotadas de potências de iluminação diferentes.
Há lâmpadas de 60 watts, de 100 watts, de 150 watts etc.
Qual é a melhor lâmpada Parece que as de 150 watts são as melhores porque iluminam mais.
Também as inteligências servem para iluminar.
Tanto assim que se diz "tive uma ideia luminosa! ".
E nos gibis, para dizer que um personagem teve uma boa ideia, o desenhista desenha uma lâmpada acesa sobre a sua cabeça.
E também as inteligências, à semelhança das lâmpadas, têm potências diferentes.
Os psicólogos inventaram testes para atribuir números às inteligências.
A esses números deram o nome de QI, coeficiente de inteligência.
Segundo as mensurações dos psicólogos, há QIs de 100, de 150, de 200 Ah! Uma pessoa com QI200 deve ser maravilhosa! Porque, como todo mundo sabe, inteligência é coisa muito boa! Porque, como todo mundo sabe, inteligência é coisa muito boa.
Todo pai quer ter filho inteligente.
Mas as lâmpadas não são objetos de contemplação.
Não se fica olhando para elas.
Olhamos para aquilo que elas iluminam.
Uma lâmpada de 150 watts pode iluminar o rosto contorcido de um homem numa câmara de torturas.
E uma lâmpada de 60 watts pode iluminar uma mãe dando de mamar ao filhinho.
As lâmpadas valem pelas cenas que iluminam.
As inteligências valem pelas cenas que iluminam.
Há inteligências de QI 200 que só iluminam esgotos e cemitérios.
E há inteligências modestas, como se fossem nada mais que a chama de uma vela, que iluminam o rosto de crianças e jardins.
A inteligência pode estar a serviço da morte ou da vida.
A inteligência, pobrezinha, não tem o poder para decidir o que iluminar.
Ela é mandada.
Só lhe compete obedecer.
As ordens vêm de outro lugar.
Do coração.
Se o coração tem gostos suínos, a inteligência iluminará chiqueiros, porcos e lavagem.
Se o coração gosta de crianças e jardins, a inteligência iluminará crianças e jardins.
Por isso é mais importante educar o coração que fazer musculação na inteligência.
Eu prefiro as inteligências que iluminam a vida, por modestas que sejam.

O sentido da vida: não há pergunta que se faça com maior angústia e parece que
todos são por ela assombrados de vez em quando.
Valerá a pena viver A gravidade da
pergunta se revela na gravidade da resposta.
Porque não é raro vermos pessoas
mergulhadas nos abismos da loucura, ou optarem voluntariamente pelo abismo do
suicídio por terem obtido uma resposta negativa.
Outras pessoas, como observou
Camus, se deixam matar por ideias ou ilusões que lhes dão razões para viver: boas razões
para viver são também boas razões para morrer.
Mas o que é isto, o sentido da vida
O sentido da vida é algo que se experimenta emocionalmente, sem que se saiba
explicar ou justificar.
Não é algo que se construa, mas algo que nos ocorre de forma
inesperada e não preparada, como uma brisa suave que nos atinge, sem que saibamos
donde vem nem para onde vai, e que experimentamos como uma intensificação da
vontade de viver ao ponto de nos dar coragem para morrer, se necessário for, por
aquelas coisas que dão à vida o seu sentido.
É uma transformação de nossa visão do
mundo, na qual as coisas se integram como em uma melodia, o que nos faz sentir
reconciliados com o universo ao nosso
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redor, possuídos de um sentimento oceânico, na poética expressão de Romain
Rolland, sensação inefável de eternidade e infinitude, de comunhão com algo que nos
transcende, envolve e embala, como se fosse um útero materno de dimensões
cósmicas.
"Ver um mundo em um grão de areia / e um céu numa flor silvestre,/
segurar o infinito na palma da mão / e a eternidade em uma hora" (Blake).
O sentido da vida é um sentimento.