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Guimarães Rosa

PÍLULAS DO GRANDE SERTÃO
Coração de gente o escuro, escuros.
Quem ama é sempre muito escravo, mas não obedece nunca de verdade.
Querer o bem com demais força, de incerto jeito, pode já estar sendo se querendo o mal por principiar.
No sistema de jagunços, amigo era o braço, e o aço!
Amigo, para mim, é só isto: é a pessoa com quem a gente gosta de conversar, do igual o igual, desarmado.
O de que um tira prazer de
estar próximo.
Só isto, quase; e os todos sacrifícios.
Ou amigo é que a gente seja, mas sem precisar de saber o por quê é que é.
O amor Pássaro que põe ovos de ferro.
Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas.
A colheita é comum, mas o capinar é sozinho.
O diabo é às brutas; mas Deus é traiçoeiro!
O diabo na rua, no meio do redemunho.
O Arrenegado, o Cão, o Cramulhão, o Indivíduo, o Galhardo, o Pé de Pato, o Sujo, o Homem, o Tisnado, o Coxo, o Temba, o Azarape, o Coisa Ruim, o Mafarro, o Pé Preto, o Canho, o Duba Dubá, o Rapaz, o Tristonho, o Não sei que diga, O que nunca se ri, o Sem Gracejos Pois, não existe! E se não existe, como é que se pode se contratar pacto com ele
Quem muito se evita, se convive.
Julgamento é sempre defeituoso, porque o que a gente julga é o passado.
O que lembro, tenho.
Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende.
Quem mói no asp'ro não fantaseia.
Quando se curte raiva de alguém, é a mesma coisa que se autorizar que essa própria pessoa passe durante o tempo governando a idéia e o
sentir da gente.
Vingar é lamber, frio, o que outro cozinhou quente demais.
Quem sabe do orgulho, quem sabe da loucura alheia
Ser chefe por fora um pouquinho amargo; mas, por dentro, é risonhas flores.
Um chefe carece de saber é aquilo que ele não pergunta.
Comandar é só assim: ficar quieto e ter mais coragem.
Toda saudade é uma espécie de velhice.
Riu de me dar nojo.
Mas nojo medo é, é não
Um sentir é do sentente, mas outro é do sentidor.
Tudo é e não é.
Mocidade é tarefa para mais tarde se desmentir.
Sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias.
Deus mesmo, quando vier, que venha armado!
O sertão é do tamanho do mundo.
Sertão é dentro da gente.
O sertão é sem lugar.
O sertão não tem janelas, nem portas.
E a regra é assim: ou o senhor bendito governa o sertão, ou o sertão maldito vos governa.
O sertão não chama ninguém às claras; mais, porém, se esconde e acena.
O sertão é uma espera enorme.
Sertão: quem sabe dele é urubu, gavião, gaivota, esses pássaros: eles estão sempre no alto, apalpando ares com pendurado pé, com o olhar remedindo a alegria e as misérias todas.
A vida é ingrata no macio de si; mas transtraz a esperança mesmo do meio do fel do desespero.
A vida é muito discordada.
Tem partes.
Tem artes.
Tem as neblinas de Siruiz.
Tem as caras todas do Cão e as vertentes do viver.
Manter firme uma opinião, na vontade do homem, em mundo transviável tão grande, é dificultoso.
Viver não é é muito perigoso.
Porque ainda não se sabe.
Porque aprender a viver é que é o viver mesmo.
Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniães
Feito flecha, feito fogo, feito faca.
Vi: o que guerreia é o bicho, não é o homem.
Até que, um dia, eu estava repousando, no claro estar, em rede de algodão rendada.
Alegria me espertou, um pressentimento.
Quando eu olhei, vinha vindo uma moça.
Otacília.
// Meu coração rebateu, estava dizendo que o velho era sempre novo.
Afirmo ao senhor, minha Otacília ainda se orçava mais linda, me saudou com o salvável carinho, adianto de amor.