A aliança
Esta é uma história exemplar, só não está muito claro qual é o exemplo.
De qualquer jeito, mantenha a longe das crianças.
Também não tem nada a ver com a crise brasileira, o apartheid, a situação na América Central ou no Oriente Médio ou a grande aventura do homem sobre a Terra.
Situa se no terreno mais baixo das pequenas aflições da classe média.
Enfim.
Aconteceu com um amigo meu.
Fictício, claro.
Ele estava voltando para casa como fazia, com fidelidade rotineira, todos os dias à mesma hora.
Um homem dos seus 40 anos, naquela idade em que já sabe que nunca será o dono de um cassino em Samarkand, com diamantes nos dentes, mas ainda pode esperar algumas surpresas da vida, como ganhar na loto ou furar lhe um pneu.
Furou lhe um pneu.
Com dificuldade ele encostou o carro no meio fio e preparou se para a batalha contra o macaco, não um dos grandes macacos que o desafiavam no jângal dos seus sonhos de infância, mas o macaco do seu carro tamanho médio, que provavelmente não funcionaria, resignação e reticências Conseguiu fazer o macaco funcionar, ergueu o carro, trocou o pneu e já estava fechando o porta malas quando a sua aliança escorregou pelo dedo sujo de óleo e caiu no chão.
Ele deu um passo para pegar a aliança do asfalto, mas sem querer a chutou.
A aliança bateu na roda de um carro que passava e voou para um bueiro.
Onde desapareceu diante dos seus olhos, nos quais ele custou a acreditar.
Limpou as mãos o melhor que pôde, entrou no carro e seguiu para casa.
Começou a pensar no que diria para a mulher.
Imaginou a cena.
Ele entrando em casa e respondendo às perguntas da mulher antes de ela fazê las.
Você não sabe o que me aconteceu!
O quê
Uma coisa incrível.
O quê
Contando ninguém acredita.
Conta!
Você não nota nada de diferente em mim Não está faltando nada
Não.
Olhe.
E ele mostraria o dedo da aliança, sem a aliança.
O que aconteceu
E ele contaria.
Tudo, exatamente como acontecera.
O macaco.
O óleo.
A aliança no asfalto.
O chute involuntário.
E a aliança voando para o bueiro e desaparecendo.
Que coisa diria a mulher, calmamente.
Não é difícil de acreditar
Não.
É perfeitamente possível.
Pois é.
Eu
SEU CRETINO!
Meu bem
Está me achando com cara de boba De palhaça Eu sei o que aconteceu com essa aliança.
Você tirou do dedo para namorar.
É ou não é Para fazer um programa.
Chega em casa a esta hora e ainda tem a cara de pau de inventar uma história em que só um imbecil acreditaria.
Mas, meu bem
Eu sei onde está essa aliança.
Perdida no tapete felpudo de algum motel.
Dentro do ralo de alguma banheira redonda.
Seu sem vergonha!
E ela sairia de casa, com as crianças, sem querer ouvir explicações.
Ele chegou em casa sem dizer nada.
Por que o atraso Muito trânsito.
Por que essa cara Nada, nada.
E, finalmente:
Que fim levou a sua aliança E ele disse:
Tirei para namorar.
Para fazer um programa.
E perdi no motel.
Pronto.
Não tenho desculpas.
Se você quiser encerrar nosso casamento agora, eu compreenderei.
Ela fez cara de choro.
Depois correu para o quarto e bateu com a porta.
Dez minutos depois reapareceu.
Disse que aquilo significava uma crise no casamento deles, mas que eles, com bom senso, a venceriam.
O mais importante é que você não mentiu pra mim.
E foi tratar do jantar.