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Fernando Pessoa

I/ ABISMO
OLHO O TEJO, e de tal arte
Que me esquece olhar olhando,
E súbito isto me bate
De encontro ao devaneando
O que é ser rio, e correr
O que é está lo eu a ver
Sinto de repente pouco,
Vácuo, o momento, o lugar.
Tudo de repente é oco
Mesmo o meu estar a pensar.
Tudo eu e o mundo em redor
Fica mais que exterior.
Perde tudo o ser, ficar,
E do pensar se me some.
Fico sem poder ligar
Ser, idéia, alma de nome
A mim, à terra e aos céus
E súbito encontro Deus.
II/ PASSOU
Passou, fora de Quando,
De Porquê, e de Passando ,
Turbilhão de Ignorado,
Sem ter turbilhonado ,
Vasto por fora do Vasto
Sem ser, que a si se assombra
O Universo é o seu rasto
Deus é a sua sombra
III/ A VOZ DE DEUS
Brilha uma voz na noute
De dentro de Fora ouvi a
Ó Universo, eu sou te
Oh, o horror da alegria
Deste pavor, do archote
Se apagar, que me guia!
Cinzas de idéia e de nome
Em mim, e a voz: Ó mundo,
Sermente em ti eu sou me
Mero eco de mim, me inundo
De ondas de negro lume
Em que para Deus me afundo.
IV/ A QUEDA
Da minha idéia do mundo
Caí
Vácuo além de profundo,
Sem ter Eu nem Ali
Vácuo sem si próprio, caos
De ser pensado como ser
Escada absoluta sem degraus
Visão que se não pode ver
Além Deus! Além Deus! Negra calma
Clarão de Desconhecido
Tudo tem outro sentido, ó alma,
Mesmo o ter um sentido
V/ BRAÇO SEM CORPO BRANDINDO UM GLÁDIO
( Entre a árvore e o vê la )
Entre a árvore e o vê la
Onde está o sonho
Que arco da ponte mais vela
Deus E eu fico tristonho
Por não saber se a curva da ponte
É a curva do horizonte
Entre o que vive e a vida
Pra que lado corre o rio
Árvore de folhas vestida
Entre isso e Árvore há fio
Pombas voando o pombal
Está lhes sempre à direita, ou é real
Deus é um grande Intervalo,
Mas entre quê e quê
Entre o que digo e o que calo
Existo Quem é que me vê
Erro me E o pombal elevado
Está em torno na pomba, ou de lado
[1913 ]