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Carlos Drummond de Andrade

Especulações em torno da palavra homem
Mas que coisa é homem,
que há sob o nome:
uma geografia
um ser metafísico
uma fábula sem
signo que a desmonte
Como pode o homem
sentir se a si mesmo,
quando o mundo some
Como vai o homem
junto de outro homem,
sem perder o nome
E não perde o nome
e o sal que ele come
nada lhe acrescenta
nem lhe subtrai
da doação do pai
Como se faz um homem
Apenas deitar,
copular, à espera
de que do abdômen
brote a flor do homem
Como se fazer
a si mesmo, antes
de fazer o homem
Fabricar o pai
e o pai e outro pai
e um pai mais remoto
que o primeiro homem
Quanto vale o homem
Menos, mais que o peso
Hoje mais que ontem
Vale menos, velho
Vale menos, morto
Menos um que outro,
se o valor do homem
é medida de homem
Como morre o homem,
como começa a
Sua morte é fome
que a si mesma come
Morre a cada passo
Quando dorme, morre
Quando morre, morre
A morte do homem
consemelha a goma
que ele masca, ponche
que ele sorve, sono
que ele brinca, incerto
de estar perto, longe
Morre, sonha o homem
Por que morre o homem
Campeia outra forma
de existir sem vida
Fareja outra vida
não já repetida,
em doido horizonte
Indaga outro homem
Por que morte e homem
andam de mãos dadas
e são tão engraçadas
as horas do homem
Mas que coisa é homem
Tem medo de morte,
mata se, sem medo
Ou medo é que o mata
com punhal de prata,
laço de gravata,
pulo sobre a ponte
Por que vive o homem
Quem o força a isso,
prisioneiro insonte
Como vive o homem,
se é certo que vive
Que oculta na fronte
E por que não conta
seu todo segredo
mesmo em tom esconso
Por que mente o homem
mente mente mente
desesperadamente
Por que não se cala,
se a mentira fala,
em tudo que sente
Por que chora o homem
Que choro compensa
o mal de ser homem
Mas que dor é homem
Homem como pode
descobrir que dói
Há alma no homem
E quem pôs na alma
algo que a destrói
Como sabe o homem
o que é sua alma
e o que é alma anônima
Para que serve o homem
para estrumar flores,
para tecer contos
Para servir o homem
Para criar Deus
Sabe Deus do homem
E sabe o demônio
Como quer o homem
ser destino, fonte
Que milagre é o homem
Que sonho, que sombra
Mas existe o homem