Quando penso na pequena duração da minha vida, absorvida na eternidade anterior, no pequeno espaço que ocupa, fundido na imensidade dos espaços que ignora e que me ignoram, aterro me e me assombro de ver me aqui e não alhures, pois não há razão alguma para que esteja aqui e não alhures, agora e não em outro qualquer momento.
Quem me colocou nessas condições Por ordem e obra e necessidade de quem me foram designados esse lugar e esse momento Memoria hospitis unius diei praetereuntis.
(A lembrança de hóspede de um dia que passa.
Sabedoria, V, 15.)
Ante a cegueira e a miséria do homem, diante do universo mudo, do homem sem luz, abandonado a si mesmo e como que perdido nesse rincão do universo, sem consciência de quem o colocou aí, nem do que veio fazer, nem do que lhe acontecerá depois da morte, ante o homem incapaz de qualquer conhecimento, invade me o terror e sinto me como alguém que levassem, durante o sono, para uma ilha deserta, e espantosa, e aí despertasse ignorante de seu paradeiro e impossibilitado de evadir se.
E maravilho me de que não se desespere alguém ante tão miserável estado.
Vejo outras pessoas ao meu lado, aparentemente iguais; pergunto lhes se se acham mais instruídas que eu, e me respondem pela negativa; no entanto, esses miseráveis extraviados se apegam aos prazeres que encontram em torno de si.
Quanto a mim, não consigo afeiçoar me a tais objetos e, considerando que no que vejo há mais aparência do que outra coisa, procuro descobrir se Deus não deixou algum sinal próprio.
O silêncio eterno desses espaços infinitos me apavora.
Quantos reinos nos ignoram!
Por que são limitados meu conhecimento, minha estatura, a duração de minha vida a cem anos e não a mil Que motivos levaram a natureza a fazer me assim, a escolher esse número em lugar de outro qualquer, desde que na infinidade dos números não há razões para tal preferência, nem nada que seja preferível a nada