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Martha Medeiros

Povoar a solidão
Permita que sua solidão seja bem aproveitada, que ela não seja inútil.
Não a cultive como uma doença, e sim como uma circunstância
A sua é de que tamanho Difícil encontrar alguém que tenha uma solidão pequena, ajustada, do tipo baby look.
Geralmente, a solidão é larga, esgarçada, como uma camiseta que poderia vestir outros corpos além do nosso.
E costuma ser com outros corpos que se tenta combatê la, mas combatê la por quê
Se nossa solidão pudesse ser visualizada, ela seria um vasto campo abandonado, um estádio de futebol numa segunda feira de manhã.
Dói, mas tem poesia.
Talvez seja por aí que devamos reavaliá la: no reconhecimento do que há de belo na sua amplitude.
A solidão não precisa ser aniquilada, ela só precisa de um sentido.
Eu não saberia dizer que outra coisa mais benéfica há para isso do que livros.
Uma biblioteca com mil volumes é um exército que não combate a solidão, mas a ela se alia.
A solidão costuma ser tratada como algo deslocado da realidade, como um tumor que invade um órgão vital.
Ah, se todos os tumores pudessem ser curados com amigos.
Uma pessoa que não fez amigos não teve pela sua vida nenhum respeito.
Nossa solidão é nossa casa e necessita abrir horários de visita, hospedar, convidar para o almoço, cozinhar com afeto, revelar se uma solidão anfitriã, que gosta de ouvir as histórias das solidões dos outros, já que todos possuem seus descampados.
A solidão não precisa se valer apenas do monólogo.
Pode aprender a dialogar e deve exercitar isso também através da arte.
Há sempre uma conversa silenciosa entre o ator no palco e o sujeito no escuro da platéia, entre o pintor em seu ateliê e o visitante do museu, entre o escritor e o seu leitor desconhecido.
Ah, os livros, de novo.
De todos os que preenchem nossa solidão, são os livros os mais anárquicos, os mais instigantes.
Leia, e seu silêncio ganhará voz.
Às vezes, tratamos nosso isolamento com certa afetação.
Acendemos um cigarro na penumbra da sala, botamos um disco dilacerante e aguardamos pelas lágrimas.
Já fizemos essa cena num final de domingo tem dia mais solitário É comum que a gente entre na fantasia de que nossa solidão daria um filme noir, mas sem esquecer que ela continuará conosco amanhã e depois de amanhã, deixando de ser charmosa e nos acompanhando até o supermercado.
Suporte a com bom humor ou com mau humor, mas não a despreze.
Permita que sua solidão seja bem aproveitada, que ela não seja inútil.
Não a cultive como uma doença, e sim como uma circunstância.
Em vez de tentar expulsá la, habite a com espiritualidade, estética, memória, inspiração, percepções.
Não será menos solidão, apenas uma solidão mais povoada.
Quem não sabe povoar sua solidão, também não saberá ficar sozinho em meio a uma multidão, escreveu Baudelaire.
Ah, os livros, outra vez.

VELHOS AMIGOS, NOVOS AMIGOS
Quem é seu melhor amigo(a) Deixe ver se adivinho: estuda na mesma escola ou cursinho, tem a mesma idade (talvez um ano a mais ou a menos), freqüenta o mesmo clube ou a mesma praia.
Se errei, foi por pouco.
Não é vidência: minha melhor amiga também foi minha colega tanto na escola quanto na faculdade e nascemos no mesmo ano.
São amizades extremamente salutares, pois podemos dividir com eles angústias e alegrias próprias do momento que se está vivendo.
Mas fique esperto.
Fechar a porta para pessoas diferentes de você é sinal de inteligência precária.
Durante a adolescência, é vital repartir nossas experiências com pessoas que pensem como nós e que tenham o mesmo pique: é importante sentir se incluído num grupo, de pertencer a uma turma.
Perde se, no entanto, o convívio com pessoas de outras idades e de outros "planetas", que muito poderiam lapidar a nossa visão de mundo.
Entre iguais, tudo é igual.
A vida ganha movimento é na diferença.
Se você é rato de biblioteca, iria se divertir ouvindo as histórias contadas por um alpinista experiente.
Se você tem muita grana, ficaria surpreso em saber como dá duro o cara que trabalha de
dia para poder estudar à noite e o quanto ele precisa economizar para tomar dois chopes no sábado.
Se você curte música, seria bacana conversar com quem curte teatro.
Se você é derrotista, seria uma boa bater um papo com quem já sofreu de verdade.
Você, que se acha uma velha aos 27 anos, iria se divertir muito com os relatos de uma cinquentona irada.
E você, beirando os 60, se surpreenderia com a maturidade de um garoto de 18.
Para os de meia idade, nada melhor do que ter amigos nos dois extremos: da garotada que lhe arrasta para dançar até aqueles que estão numa marcha mais lenta, que já viveram de tudo e de tudo podem falar.
A cabeça da gente comporta rafting e música lírica, videoclipes e dança flamenca, ficar com alguém por uma noite e ficar para sempre.
É importante cultivar afinidades, mas as desafinações ensinam bastante.
No mínimo, nos fazem dar boas risadas.
Vale amizade com executivo e com office boy, com solteiros e casados, meninas e mulheraços, gente que torce para outro time e vota em outro partido.
Vale sempre que houver troca.
Vale inclusive pai e mãe.