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Rubem Alves

Pato selvagem:
Era uma vez um bando de patos selvagens que voava nas alturas.
Lá de cima se via muito longe, campos verdes, lagos azuis, montanhas misteriosas e os pores de sol eram maravilhosos.
Mas voar nas alturas era cansativo.
Ao final do dia os patos estavam exaustos.
Aconteceu que um dos patos, quando voava nas alturas, olhou para baixo e viu um pequeno sítio, casinha com chaminé, vacas, cavalos, galinhas e um bando de patos deitados debaixo de uma árvore.
Como pareciam felizes! Não precisavam trabalhar.
Havia milho em abundância.
O pato selvagem, cansado, teve inveja deles.
Disse adeus aos companheiros, baixou seu voo e juntou se aos patos domésticos.
Ah! Como era boa a vida, sem precisar fazer força.
Ele gostou, fez amizades.
O tempo passou.
Primavera, verão, outono, inverno
Chegou de novo o tempo da migração dos patos selvagens.
E eles passavam grasnando, nas alturas
De repente o pato que fora selvagem começou a sentir uma dor no seu coração, uma saudade daquele mundo selvagem e belo, as coisas que ele via e não via mais: os campos, os lagos, as montanhas, os pores de sol.
Aqui em baixo a vida era fácil, mas os horizontes eram tão curtos! Só se via perto!
E a dor foi crescendo no seu peito até que não aguentou mais.
Resolveu voltar a juntar se aos patos selvagens.
Abriu suas asas, bateu as com força, como nos velhos tempos.
Ele queria voar! Mas caiu e quase quebrou o pescoço.
Estava pesado demais para o voo.
Havia engordado com a boa vida E assim passou o resto de sua vida, gordo e pesado, olhando para os céus, com nostalgia das alturas
(Ostra feliz não faz pérola)

O sentido da vida: não há pergunta que se faça com maior angústia e parece que
todos são por ela assombrados de vez em quando.
Valerá a pena viver A gravidade da
pergunta se revela na gravidade da resposta.
Porque não é raro vermos pessoas
mergulhadas nos abismos da loucura, ou optarem voluntariamente pelo abismo do
suicídio por terem obtido uma resposta negativa.
Outras pessoas, como observou
Camus, se deixam matar por ideias ou ilusões que lhes dão razões para viver: boas razões
para viver são também boas razões para morrer.
Mas o que é isto, o sentido da vida
O sentido da vida é algo que se experimenta emocionalmente, sem que se saiba
explicar ou justificar.
Não é algo que se construa, mas algo que nos ocorre de forma
inesperada e não preparada, como uma brisa suave que nos atinge, sem que saibamos
donde vem nem para onde vai, e que experimentamos como uma intensificação da
vontade de viver ao ponto de nos dar coragem para morrer, se necessário for, por
aquelas coisas que dão à vida o seu sentido.
É uma transformação de nossa visão do
mundo, na qual as coisas se integram como em uma melodia, o que nos faz sentir
reconciliados com o universo ao nosso
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redor, possuídos de um sentimento oceânico, na poética expressão de Romain
Rolland, sensação inefável de eternidade e infinitude, de comunhão com algo que nos
transcende, envolve e embala, como se fosse um útero materno de dimensões
cósmicas.
"Ver um mundo em um grão de areia / e um céu numa flor silvestre,/
segurar o infinito na palma da mão / e a eternidade em uma hora" (Blake).
O sentido da vida é um sentimento.