1 de novembro de 2015
Cai no álbum de retratos.
Quem diria, vó!
Foram tantas as vezes que você ficara que a gente principiou a te acreditar sublime, a te pensar eterna, a te desejar inefável.
Fico com as minhas palavras cosméticas, sem ter como te fixar no escuro.
Mas não seria justo, avó, não seria certo.
Porque você sabia de cor o nome de tantas ruas por onde já não pisava, a receita de tantos bolos que já não fazia.
E aquela fraqueza de sempre.
Não faz mal, avó.
O universo continuará sem ti.
Com você, extingue se um mundo de coisinhas.
Terá importância Aquela casa, sua, será alvo de imobiliárias predadoras.
O número 48, tão simples, da rua Colonização.
Ao redor da casa, despontam prédios.
Arranha céus imensos ganham terreno.
É tanta modernidade, vó! A nossa rua vai ficando encolhida e, com ela, a casa, o jardim, a soleira da porta.
A vizinhança parece dormir, as visitas rareiam.
As vizinhas do seu tempo já não aparecem com frequência.
Um ou outro nome desaparece.
Você continua.
Faz setenta, oitenta, quase noventa anos.
Sente saudade, mas não deixa transparecer que nossa pouca idade não alcança suas lembranças, suas memórias.
Conta histórias de menina que a gente escuta com cuidado.
Diz lembrar fatos que lhe aconteceram com três anos – e eu acredito.
Tem memória boa.
Sabe de cabeça o aniversário de muita gente.
Guarda tanta, tanta vida.
Como você, eu não encontrei ninguém.
Sentada na cama, seus olhos marejam, sua expressão vagueia – quase chora.
“Eu só tenho pena de deixar minhas coisinhas” – não faz mal, vó.
Suas coisinhas vão com você.
Boa noite.
Dorme com os anjos.
Gi.