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Fernando Pessoa

Amei te e por te amar
Só a ti eu não via
Eras o céu e o mar,
Eras a noite e o dia
Só quando te perdi
É que eu te conheci
Quando te tinha diante
Do meu olhar submerso
Não eras minha amante
Eras o Universo
Agora que te não tenho,
És só do teu tamanho.
Estavas me longe na alma,
Por isso eu não te via
Presença em mim tão calma,
Que eu a não sentia.
Só quando meu ser te perdeu
Vi que não eras eu.
Não sei o que eras.
Creio
Que o meu modo de olhar,
Meu sentir meu anseio
Meu jeito de pensar
Eras minha alma, fora
Do Lugar e da Hora
Hoje eu busco te e choro
Por te poder achar
Não sequer te memoro
Como te tive a amar
Nem foste um sonho meu
Porque te choro eu
Não sei Perdi te, e és hoje
Real no [ ] real
Como a hora que foge,
Foges e tudo é igual
A si próprio e é tão triste
O que vejo que existe.
Em que és [ ] fictício,
Em que tempo parado
Foste o ( ) cilício
Que quando em fé fechado
Não sentia e hoje sinto
Que acordo e não me minto
[ ] tuas mãos, contudo,
Sinto nas minhas mãos,
Nosso olhar fixo e mudo
Quantos momentos vãos
Pra além de nós viveu
Nem nosso, teu ou meu
Quantas vezes sentimos
Alma nosso contacto
Quantas vezes seguimos
Pelo caminho abstrato
Que vai entre alma e alma
Horas de inquieta calma!
E hoje pergunto em mim
Quem foi que amei, beijei
Com quem perdi o fim
Aos sonhos que sonhei
Procuro te e nem vejo
O meu próprio desejo
Que foi real em nós
Que houve em nós de sonho
De que Nós fomos de que voz
O duplo eco risonho
Que unidade tivemos
O que foi que perdemos
Nós não sonhamos.
Eras
Real e eu era real.
Tuas mãos tão sinceras
Meu gesto tão leal
Tu e eu lado a lado
Isto e isto acabado
Como houve em nós amor
E deixou de o haver
Sei que hoje é vaga dor
O que era então prazer
Mas não sei que passou
Por nós e acordou
Amamo nos deveras
Amamo nos ainda
Se penso vejo que eras
A mesma que és E finda
Tudo o que foi o amor;
Assim quase sem dor.
Sem dor Um pasmo vago
De ter havido amar
Quase que me embriago
De mal poder pensar
O que mudou e onde
O que é que em nós se esconde
Talvez sintas como eu
E não saibas senti o
Ser é ser nosso véu
Amar é encobri o,
Hoje que te deixei
É que sei que te amei
Somos a nossa bruma
É pra dentro que vemos
Caem nos uma a uma
As compreensões que temos
E ficamos no frio
Do Universo vazio
Que importa Se o que foi
Entre nós foi amor,
Se por te amar me dói
Já não te amar, e a dor
Tem um íntimo sentido,
Nada será perdido
E além de nós, no Agora
Que não nos tem por véus
Viveremos a Hora
Virados para Deus
E n'um ( ) mudo
Compreenderemos tudo.

Mar