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Martha Medeiros

A vida com legendas
Uma vez eu estava assistindo a um filme americano no DVD, quando uma amiga da minha filha chegou aqui em casa.
Ela deu um alô de longe, para não atrapalhar a sessão, mas de repente algo chamou sua atenção na TV, e em seguida ela me olhou com uma expressão atônita.
Achei que fosse me revelar um segredo de Fátima, mas o que ela me disse foi: "Tia, você não sabe Dá para assistir ao filme dublado! ".
Aquele "tia" não conseguiu estragar meu humor.
"Eu sei, querida, mas eu prefiro assistir com legenda".
A cara de espanto que ela fez, só vendo.
Dava para ler seu pensamento: como alguém pode preferir ver um filme com legenda em vez de dublado Pois é.
Eu me rendo feliz às legendas, já que meu inglês não é nenhum espetáculo.
Mas não é só por isso.
Por melhores que sejam nossos dubladores, perde se a interpretação original, o tom de voz, as interjeições.
Fica um troço frio.
Dublada, qualquer obra de arte parece filme de sessão da tarde.
Vai pro ralo a magia do cinema.
Legenda, ao contrário, permite o confronto entre o que foi dito e o que foi compreendido.
Temos acesso às duas versões.
Aliás, não seria nada mal se legendassem algumas cenas da vida real, também.
Num antigo prédio onde morei, havia um porteiro muito gentil, mas que falava um idioma indecifrável.
Vogais e consoantes embolavam se de tal modo que qualquer coisa que ele dissesse parecia turco.
O senhor pode repetir, seu Gomes Vorwitzj shurtkwzç halytqjh.
Sei, sei, obrigada, seu Gomes.
E eu entrava no prédio sem saber se o elevador estava enguiçado, se a vizinha havia cometido suicídio ou se tinham assaltado meu apartamento.
Igualmente enigmáticos são certos depoimentos de políticos.
Falam em português, sem dúvida, mas falta uma simetria com os fatos apurados.
"Esta assinatura não é minha." "Não tenho dinheiro em paraíso fiscal." "Sou e sempre fui um cidadão honesto".
Legendas, please.
Eu não compreender.
Agora, intraduzíveis mesmo são os diálogos entre marido e mulher.
Ele diz que vai se atrasar 10 minutos e ela conclui: ele tem outra.
Ele diz que está com saudade e ela retruca: então por que só me ligou uma vez hoje Ele diz que está infeliz no emprego e ela: não vem com frescura, o aluguel vai aumentar.
Ele diz que a ama e ela: "Repete".
"Eu te amo."
"Ah, diz de novo."
"Te amo."
"Mais uma vez."
"Te amo, caramba! "
"Eu sabia, você não me ama mais, se irrita por qualquer coisinha."
Mas voltando ao assunto inicial desta crônica: soube que o mercado cinematográfico está colocando à disposição um número cada vez maior de cópias dubladas, não apenas de filmes infantis, o que se explica, mas também de filmes para adultos.
E o público está aplaudindo a tendência, pois, segundo pesquisa, preferem mesmo assistir ao filme direto em português.
Uma pena.
Entendo que se queira facilitar a vida, mas quando se quer facilitar demais, perde se algumas pequenas sofisticações, hoje cada vez mais raras

VELHOS AMIGOS, NOVOS AMIGOS
Quem é seu melhor amigo(a) Deixe ver se adivinho: estuda na mesma escola ou cursinho, tem a mesma idade (talvez um ano a mais ou a menos), freqüenta o mesmo clube ou a mesma praia.
Se errei, foi por pouco.
Não é vidência: minha melhor amiga também foi minha colega tanto na escola quanto na faculdade e nascemos no mesmo ano.
São amizades extremamente salutares, pois podemos dividir com eles angústias e alegrias próprias do momento que se está vivendo.
Mas fique esperto.
Fechar a porta para pessoas diferentes de você é sinal de inteligência precária.
Durante a adolescência, é vital repartir nossas experiências com pessoas que pensem como nós e que tenham o mesmo pique: é importante sentir se incluído num grupo, de pertencer a uma turma.
Perde se, no entanto, o convívio com pessoas de outras idades e de outros "planetas", que muito poderiam lapidar a nossa visão de mundo.
Entre iguais, tudo é igual.
A vida ganha movimento é na diferença.
Se você é rato de biblioteca, iria se divertir ouvindo as histórias contadas por um alpinista experiente.
Se você tem muita grana, ficaria surpreso em saber como dá duro o cara que trabalha de
dia para poder estudar à noite e o quanto ele precisa economizar para tomar dois chopes no sábado.
Se você curte música, seria bacana conversar com quem curte teatro.
Se você é derrotista, seria uma boa bater um papo com quem já sofreu de verdade.
Você, que se acha uma velha aos 27 anos, iria se divertir muito com os relatos de uma cinquentona irada.
E você, beirando os 60, se surpreenderia com a maturidade de um garoto de 18.
Para os de meia idade, nada melhor do que ter amigos nos dois extremos: da garotada que lhe arrasta para dançar até aqueles que estão numa marcha mais lenta, que já viveram de tudo e de tudo podem falar.
A cabeça da gente comporta rafting e música lírica, videoclipes e dança flamenca, ficar com alguém por uma noite e ficar para sempre.
É importante cultivar afinidades, mas as desafinações ensinam bastante.
No mínimo, nos fazem dar boas risadas.
Vale amizade com executivo e com office boy, com solteiros e casados, meninas e mulheraços, gente que torce para outro time e vota em outro partido.
Vale sempre que houver troca.
Vale inclusive pai e mãe.