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Fabrício Carpinejar

Você me pediu um cigarro
Você foi covarde.
Seu amor é forte, seu corpo é fraco.
Você foi covarde como tantas vezes fui por acreditar que a coragem viria depois.
A coragem não vem depois.
A coragem vem antes ou não vem.
Não posso amaldiçoar sua covardia.
Sua boca não é rápida como suas pernas para me agarrar.
Minhas pernas não são tão rápidas quanto minha boca para lhe impedir.
Você foi covarde.
Pela gentileza de sempre dizer sim, repetidos sim, quando não estava ouvindo.
Já desfrutei de sua covardia, ríspido recusá la agora porque não me favorece.
Porque não fui escolhido.
Não aquecerei seu prato para servi la.
Não a ajudarei no parto.
Não partirei.
Serei aquele que deveria ter sido, enterrado sem morrer, o que desapareceu permanecendo perto.
Sou seu constrangimento mais alegre.
Sua ferida, seu feriado.
Com o tempo, serei sua vontade de se calar.
De se retirar da sala.
Não conhecerá meus hábitos de puxar o café antes de ficar pronto.
De abrir as venezianas como quem procura reunir os chinelos ao vento.
Você foi covarde, ninguém iria compreendê la.
Hoje todos a compreendem, menos você mesma.
Você não se compreende depois disso.
O que é imenso é estreito.
O que é infinito fecha.
Até o oceano tem becos e ruas sem saída.
Até o oceano.
Sua esperança não diminui a covardia.
Quer um conselho Finge que a dor que sente é a minha para entreter sua dor.
Saudades ficam violentas quando mudamos de endereço.
Saudades ficam insuportáveis quando mudamos de sentido.
Você confunde sacrifício com covardia.
Compreendo.
Eu confundo amor com loucura.
Cada um tem seus motivos, sua maneira de se convencer que fez o melhor, fez o que podia.
Você me avisou que não tinha escolha.
Nunca teria escolha.
Você foi educada com a vida, pediu licença, agradeceu os presentes.
Confiou que a vida logo a entenderia.
E cederia.
Engoliu uma palavra para dormir.
Não serei vizinho de seu sobrenome.
Seus nomes esperam um único nome que ficou para trás.
Você não desencarnou, não se encarnou, deixou sua carne parada nas leituras.
Morrer é continuar o que não foi vivido.
Vai me continuar sem saber.
Você foi covarde.
Com sua ternura pálida, seu medo de tudo, sua polidez em cumprir as promessas.
Você não aprendeu a mentir.
Tampouco aprendeu a dizer a verdade.
O dia está escuro e não soprarei a luz ao seu lado.
O dia está lento e não haverá movimento nas ruas.
Você não revidou nenhuma das agressões, não revidará mais essa.
Você foi covarde.
A mais bela covardia de minha vida.
A mais comovida.
A mais sincera.
A mais dolorida.
O que me atormenta é que sou capaz de amar sua covardia.
Foi o que restou de você em mim.

A vingança encharca a literatura e a música, mas seus mistérios jamais serão esgotados.
Vingança é uma arte, o refinamento da carência.
Quem procura se vingar do ex ou da ex, na verdade, não cansou de brigar.
Não terminou de argumentar.
Vingança é discutir o relacionamento sozinho, é discutir o relacionamento à distância, é dedicar o dia inteiro, às vezes a vida inteira, a arquitetar uma forma de chamar a atenção do amante que negou o ouvido.
O luto é destinado aos que amam amar.
Vinga se a pessoa que odeia amar, odeia continuar amando.
É o encontro do mais extremo ódio com o mais extremo amor.
A união de dois terrorismos.
Vinga se aquele que acredita que deu mais do que recebeu e que se enxerga ludibriado.
Aquele que, durante a relação, cobrava em segredo tudo o que oferecia, listava presentes e gestos.
A vingança é o juízo final do avarento amoroso.
Indica também prepotência.
O vingador se enxerga superior ao vingado, mais experiente e sábio.
Acha que está ensinando seu antigo par.
Encarna a figura de professor repreendendo o erro do aluno.
Assim como não sofre em vão, somente se humilha para humilhar o outro.
Todo sofrimento é arrogante, debitado na conta do desafeto.
O vingador cobiça a última palavra pois não aceita que alguém pense o pior dele.
Planeja castigar as supostas distorções e intimidar as possíveis confissões de sua intimidade.
O vingador vive por hipóteses.
Não entendeu que a última palavra não existe, é uma desculpa para mandar.
A vingança é o mais paradoxal dos atos: um sentimento inteligente em mãos burras e desgovernadas; uma pressa que exige longa paciência e dissimulação.
Requer as mais contraditórias atitudes: sangue frio de alguém com sangue quente; calar se apesar da exagerada vontade de falar.
A vingança fracassa pela ânsia de fama do seu autor.
Quem busca se vingar pretende que o outro saiba que foi ele, que não tenha nenhuma dúvida.
Deseja dar o troco beijando a boca, olhando nos olhos.
Conclui que não adianta nada uma vingança sem remetente.
E peca pela ambição, erra ao se expor, porque a represália aguda e exitosa esconde o criminoso para a perfeição do crime; deve ser anônima, gerando a desconfiança, mas não entregando totalmente o seu mentor.
Não conheço vingança perfeita.
Não se vingar talvez seja a melhor vingança.
Fazer esperar uma resposta que nunca virá.