Lamento do oficial por seu cavalo morto
Nós merecemos a morte,
porque somos humanos
e a guerra é feita pelas nossas mãos,
pelo nossa cabeça embrulhada em séculos de sombra,
por nosso sangue estranho e instável, pelas ordens
que trazemos por dentro, e ficam sem explicação.
Criamos o fogo, a velocidade, a nova alquimia,
os cálculos do gesto,
embora sabendo que somos irmãos.
Temos até os átomos por cúmplices, e que pecados
de ciência, pelo mar, pelas nuvens, nos astros!
Que delírio sem Deus, nossa imaginação!
E aqui morreste! Oh, tua morte é a minha, que, enganada,
recebes.
Não te queixas.
Não pensas.
Não sabes.
Indigno,
ver parar, pelo meu, teu inofensivo coração.
Animal encantado melhor que nós todos!
que tinhas tu com este mundo
dos homens
Aprendias a vida, plácida e pura, e entrelaçada
em carne e sonho, que os teus olhos decifravam
Rei das planícies verdes, com rios trêmulos de relinchos
Como vieste morrer por um que mata seus irmãos!
(in Mar Absoluto e outros poemas: Retrato Natural.
Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1983.)