Ter mentido é ter sofrido.
O hipócrita é um paciente na dupla acepção da palavra; calcula um triunfo e sofre um suplício.
A premeditação indefinida de uma ação ruim, acompanhada por doses de austeridade, a infâmia interior temperada de excelente reputação, enganar continuamente, não ser jamais quem é, fazer ilusão, é uma fadiga.
Compor a candura com todos os elementos negros que trabalham no cérebro, querer devorar os que o veneram, acariciar, reter se, reprimir se, estar sempre alerta, espiar constantemente, compor o rosto do crime latente, fazer da disformidade uma beleza, fabricar uma perfeição com a perversidade, fazer cócegas com o punhal, por açúcar no veneno, velar na franqueza do gesto e na música da voz, não ter o próprio olhar, nada mais difícil, nada mais doloroso.
O odioso da hipocrisia começa obscuramente no hipócrita.
Causa náuseas beber perpetuamente a impostura.
A meiguice com que a astúcia disfarça a malvadez repugna ao malvado, continuamente obrigado a trazer essa mistura na boca, e há momentos de enjoo em que o hipócrita vomita quase o seu pensamento.
Engolir essa saliva é coisa horrível.
Ajuntai a isto o profundo orgulho.
Existem horas estranhas em que o hipócrita se estima.
Há um eu desmedido no impostor.
O verme resvala como o dragão e como ele retesa se e levanta se.
O traidor não é mais que um déspota tolhido que não pode fazer a sua vontade senão resignando se ao segundo papel.
É a mesquinhez capaz da enormidade.
O hipócrita é um titã anão.