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Poemas de Augusto dos Anjos

Desde então para cá fiquei sombrio
Um penetrante e corrosivo frio
Anestesiou me a sensibilidade
E a grandes golpes arrancou raízes
Que prendiam meus dias infelizes
A um sonho antigo de felicidade! ”
“Meu coração, como um cristal, se quebre,
O termômetro negue minha febre,
Torne se gelo o sangue que me abrasa,
E eu me converta na cegonha triste
Que das ruínas duma casa assiste
Ao desmoronamento de outra casa! ”
“Bati nas pedras dum tormento rude
E a minha mágoa de hoje é tão intensa
Que eu penso que a alegria é uma doença
E a tristeza é minha única saúde.”
"Dizes que sou feliz.
Não mentes.
Dizes
Tudo que sentes.
A infelicidade
Parece às vezes com a felicidade
E os infelizes mostram ser felizes! "
"( )
Ah! Se me ouvisses falando!
(E eu sei que às dores resiste)
Dir te ia coisas tão tristes
Que acabarias chorando.
Que mal o amor tem me feito!
Duvidas ! Pois, se duvidas,
Vem cá, olha estas feridas
Que o amor abriu em meu peito.
Passo longos dias, a esmo
Não me queixo mais da sorte
Nem tenho medo da Morte
Que eu tenho a Morte em mim mesmo!
( )"
"Homem, carne sem luz, criatura cega,
Realidade geográfica infeliz
O Universo calado te renega
E a tua própria boca te maldiz!
O nôumeno e o fenômeno, o alfa e o ômega
Amarguram te.
Hebdômadas hostis
Passam Teu coração te desagrega,
Sangram te os olhos, e, entretanto, ris!
Fruto injustificável dentre os frutos,
Montão de estercorária argila,
Excrescência de terra singular.
Deixa a tua alegria aos seres brutos,
Porque, na superfície do planeta,
Tu só tens um direito: o de chorar! "
(Eu e Outras Poesias)

IX de OS DOENTES
O inventário do que eu já tinha sido
Espantava.
Restavam só de Augusto
A forma de um mamífero vetusto
E a cerebralidade de um vencido!
O gênio procriador da espécie eterna
Que me fizera, em vez de hiena ou lagarta,
Uma sobrevivência de Sidarta,
Dentro da filogênese moderna;
E arrancara milhares de existências
Do ovário ignóbil de uma fauna imunda,
Ia arrastando agora a alma infecunda
Na mais triste de todas as falências.
No céu calamitoso de vingança
Desagregava, déspota e sem normas,
O adesionismo biôntico das formas
Multiplicadas pela lei da herança!
A ruína vinha horrenda e deletéria
Do subsolo infeliz, vinha de dentro
Da matéria em fusão que ainda há no centro,
Para alcançar depois a periféria!
Contra a Arte, oh! Morte, em vão teu ódio exerces!
Mas, a meu ver, os sáxeos prédios tortos
Tinham aspectos de edifícios mortos
Decompondo se desde os alicerces!
A doença era geral, tudo a extenuar se
Estava.
O Espaço abstrato que não morre
Cansara O ar que, em colônias fluidas, corre,
Parecia também desagregar se!
Os pródromos de um tétano medonho
Repuxavam me o rosto Hirto de espanto,
Eu sentia nascer me n’alma, entanto,
O começo magnífico de um sonho!
Entre as formas decrépitas do povo,
Já batiam por cima dos estragos
A sensação e os movimentos vagos
Da célula inicial de um Cosmos novo!
O letargo larvário da cidade
Crescia.
Igual a um parto, numa furna,
Vinha da original treva noturna,
O vagido de uma outra Humanidade!
E eu, com os pés atolados no Nirvana,
Acompanhava, com um prazer secreto,
A gestação daquele grande feto,
Que vinha substituir a Espécie Humana!