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Pessoas Dissimuladas

Há aquela velha e boa fábula que conta a história do menino que sempre alarmava um falso ataque do lobo às brancas indefesas ovelhas.
O Pastor, prestativo e atento, sempre acreditava nos falsos avisos do garoto.
Quase sempre, um dia o Pastor se cansou.
Justamente no dia em que o ataque era verdadeiro.
O menino desesperado gritava pela ajuda do Pastor enquanto as ovelhas eram mortas.
Outra versão da fábula, mas com o mesmo efeito moralizante, é a do beija flor que sempre dava enganosos alertas de incêndio na floresta.
A inconsequente ave divertia se ao ver toda a fauna mobilizar se a fim apagar o que nunca existiu.
Até que um certo dia todos sabemos o que aconteceu.
Transpondo a fábula à realidade, apesar de não ser o garoto ou o beija flor, por muito tempo emiti falsos sinais.
Distribuí indícios e promessas de algo grandioso.
Expressei, amiúde, (com uma dissimulação de fazer inveja a Capitu) sentimentos de bem querer.
Manifestei e fiz transparecer um amor sem começo nem fim.
Tal como o beija flor ou o garoto, talvez tenha agido com o intuito de suprimir a pungente pequenez a que estava fadado.
Fomos, eu e meus personagens, por muito tempo o centro das atenções.
Nos divertíamos às custas da credulidade alheia.
Crédulos que, por inocência ou ignorância, sempre guardavam na memória lembranças daquilo que, de fato, nunca existiu.
Exceto em sonhos.
Hoje, por ironia do destino, minha história vai terminando como a de meus caros companheiros, o garoto e o beija flor.
Somos iguais em descrédito e desgraça.
Hodiernamente, por mais sinceras e eloquentes sejam nossas palavras, ninguém mais dá ouvidos a elas.
Eu não matei nenhuma ovelha.
Quero, assim como o Pastor, cuidar do meu rebanho de um só exemplar.
O que, no entanto e infelizmente, é impossível.
Transformei me no Lobo da história.
Eu tampouco quero apagar essa chama que sempre fantasiei ter, mas que só agora a conheço verdadeiramente.
[Almejos sem meios.
(Sonhos vãos).
Não voltam.] O beija flor que sempre fui, apesar de ter experimentado tantas rosas, apaixonou se por uma flor intocável.
Delicada demais para um lobo; grande demais para um pequeno e dissimulado beija flor.
E o final dessa história eu quero mudá lo.
Nem todas as flores têm a mesma sorte: umas nascem para enfeitar a vida; outras, a morte.