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Perdas

Reconheço as perdas significativas em minha vida, que advêm desta condição de pessoa que não crê em Deus.
Uma dessas perdas está na própria literatura.
Deus é um nome bonito, encera poesia, enseja belas peças literárias em verso e prosa.
Diria que tal nome foi uma das mais felizes invenções do ser humano, como a própria figura do criador supremo, que rege a psique da humanidade e torna possível gerir o mundo, apesar do ódio, da ignorância que depreda e das hecatombes que assolam.
É sempre belo introduzir Deus no que se escreve, decanta e canta.
Parece haver um dispositivo nas emoções do homem, que absorve o vocábulo como se aspira um bom perfume.
Esse nome desarma espíritos, convence, credibiliza e serve até mesmo para enganar pessoas desavisadas e de boa fé, porque nem tudo é perfeito e abutres são encontráveis em qualquer meio social.
Tenho inveja de quem dá graças a Deus por coisas grandes ou miúdas.
Dos que dizem fique ou vá com Deus, Deus lhe pague, acompanhe, seja louvado Chego a ficar triste, ao constatar que ao invés do clássico e doce Deus lhe abençoe, o Maximo que minha sinceridade permite responder ao “benção, pai”, é o esdrúxulo e lamentável “çoe”.
Surpreendo me tantas vezes admirando a beleza cênica dos que, por crerem, revoltam se contra Deus, tecendo lamentações ricas em sinônimos rebuscados.
Esbravejar contra Deus é de um aparato poético surpreendente na fala e na escrita.
Quem o faz, por estar profunda e sinceramente magoado com Ele, desnovela um discurso dramático e de conteúdo que eu acharia, uma vez crendo, impossível não tocar o coração divino.
Deve ser muito bom crer em Deus.
E deve ser grandioso, exatamente por isso, brigar com ele; bradar ofensas contra o Criador da vida e tudo quanto existe abaixo e acima do firmamento.
Um desabafo desta natureza é capaz de resultar o alívio imediato e dar a certeza de que Deus é mesmo pai, por não fazer o mundo ruir nos ombros do filho rebelde, pois entende a fraqueza que o leva a blasfêmia.
Gostaria de me abrir aos motivos que os seguidores de todas as crenças acham para se agarrar ao mito consolador da existência do paraíso, da vida após a morte, a recompensa eterna por todos os percalços, dores e desenganos próprios da vida na terra.
Queria encontrar as mesmas justificativas e consolos que o mundo encontra para não perder a ternura em razão dos males da humanidade.
Para continuar acreditando na proteção divina e na velha máxima de que o sofrimento engrandece e purifica o ser humano, chegando a ser necessário para nos tornarmos pessoas melhores.
Sou um poeta a quem falta a poesia da fé em Deus.
A pureza do medo do Diabo.
A fábula da luta mística entre o bem e o mal.
Há quem tente me convencer da realidade possível disso tudo, mas pessoas não têm esse poder na minha mente, no meu estado emotivo, na minha visão das coisas.
Como não terão esse acesso a eventual cura milagrosa, uma nova abertura do mar vermelho, a reincidência das pragas do Egito nem qualquer outro desempenho do possível Deus, para quebrantar meu espírito.
Admiro e respeito as múltiplas vertentes da fé religiosa.
É com carinho que sei do quanto rezam, oram e até fazem pajelanças pela cura de meu corpo e a salvação de minh’ alma, sem que eu precise estar presente.
Meu ateísmo não é uma rebeldia, muito menos o vômito inconformado de um filho que desejasse a predileção.
Seja como for, eis uma prosa cheia da Deus.
Ainda que nestes termos, mas de fato cheia.
Uma bela desculpa de quem queria este ingrediente para compor algo mais doce mais aveludado..mais poético.