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Minha Vida

Dois ou três almoços, uns silêncios.
Fragmentos disso que chamamos de “minha vida”.
Há alguns dias, Deus ou isso que chamamos assim, tão descuidadamente, de Deus , enviou me certo presente ambíguo: uma possibilidade de amor.
Ou disso que chamamos, também com descuido e alguma pressa, de amor.
E você sabe a que me refiro.
Antes que pudesse me assustar e, depois do susto, hesitar entre ir ou não ir, querer ou não querer eu já estava lá dentro.
E estar dentro daquilo era bom.
Não me entenda mal não aconteceu qualquer intimidade dessas que você certamente imagina.
Na verdade, não aconteceu quase nada.
Dois ou três almoços, uns silêncios.
Fragmentos disso que chamamos, com aquele mesmo descuido, de “minha vida”.
Outros fragmentos, daquela “outra vida”.
De repente cruzadas ali, por puro mistério, sobre as toalhas brancas e os copos de vinho ou água, entre casquinhas de pão e cinzeiros cheios que os garçons rapidamente esvaziavam para que nos sentíssemos limpos.
E nos sentíamos.
Por trás do que acontecia, eu redescobria magias sem susto algum.
E de repente me sentia protegido, você sabe como: a vida toda, esses pedacinhos desconexos, se armavam de outro jeito, fazendo sentido.
Nada de mal me aconteceria, tinha certeza, enquanto estivesse dentro do campo magnético daquela outra pessoa.
Os olhos da outra pessoa me olhavam e me reconheciam como outra pessoa, e suavemente faziam perguntas, investigavam terrenos: ah você não come açúcar, ah você não bebe uísque, ah você é do signo de Libra.
Traçando esboços, os dois.
Tateando traços difusos, vagas promessas.
Nunca mais sair do centro daquele espaço para as duras ruas anônimas.
Nunca mais sair daquele colo quente que é ter uma face para outra pessoa que também tem uma face para você, no meio da tralha desimportante e sem rosto de cada dia atravancando o coração.
Mas no quarto, quinto dia, um trecho obsessivo do conto de Clarice Lispector “Tentação” na cabeça estonteada de encanto: “Mas ambos estavam comprometidos.
Ele, com sua natureza aprisionada.
Ela, com sua infância impossível”.
Cito de memória, não sei se correto.
Fala no encontro de uma menina ruiva, sentada num degrau às três da tarde, com um cão basset também ruivo, que passa acorrentado.
Ele pára.
Os dois se olham.
Cintilam, prometidos.
A dona o puxa.
Ele se vai.
E nada acontece.
De mais a mais, eu não queria.
Seria preciso forjar climas, insinuar convites, servir vinhos, acender velas, fazer caras.
Para talvez ouvir não.
A não ser que soprasse tanto vento que velejasse por si.
Não velejou.
Além disso, sem perceber, eu estava dentro da aprendizagem solitária do não pedir.
Só compreendi dias depois, quando um amigo me falou descuidado, também em pequenas epifanias.
Miudinhas, quase pífias revelações de Deus feito jóias encravadas no dia a dia.
Era isso – aquela outra vida, inesperadamente misturada à minha, olhando a minha opaca vida com os mesmos olhos atentos com que eu a olhava: uma pequena epifania.
Em seguida vieram o tempo, a distância, a poeira soprando.
Mas eu trouxe de lá a memória de qualquer coisa macia que tem me alimentado nestes dias seguintes de ausência e fome.
Sobretudo à noite, aos domingos.
Recuperei um jeito de fumar olhando para trás das janelas, vendo o que ninguém veria.
Atrás das janelas, retomo esse momento de mel e sangue que Deus colocou tão rápido, e com tanta delicadeza, frente aos meus olhos há tanto tempo incapazes de ver: uma possibilidade de amor.
Curvo a cabeça, agradecido.
E se estendo a mão, no meio da poeira de dentro de mim, posso tocar também em outra coisa.
Essa pequena epifania.
Com corpo e face.
Que reponho devagar, traço a traço, quando estou só e tenho medo.
Sorrio, então.
E quase paro de sentir fome.

Eu tento preencher minha vida com o vazio das palavras das músicas que ouço.
Eu tento caminhar com as próprias pernas a fim de não depender do caminho que meus dedos seguirão.
Eu tento engolir as lágrimas para não aguar o construído.
Eu tento não olhar para trás, porque só o passado tem o poder de remeter me às mais diversas sensações e ocasiões, e minha mente e meu coração continuam sempre me dizendo “tente nunca se lembrar do que foi ruim”.
Eu tento sorrir com um ar falso de compaixão a fim de jamais ferir os já feridos.
Muitas vezes eu não consigo isso.
Eu tento me segurar enquanto miro meus olhos que mesmo sem poder falar uma só palavra, dizem tudo, toda verdade omitida pela fala.
Será que todos estão pensando que tenho as mesmas preocupações fúteis de uma sociedade falida Oh não, oh sim.
Penso no indiferente, no acabado, no que farei, no que deixei de falar e no que eu gostaria de ter feito.
Ofensas vindas de todo lado que hoje me divertem.
Ligava, liguei, não ligo mais, não ligarei.
Quem se importa O que me importa Me importar tentar seguir em frente.
Minha auto destruição é a minha única luta, porque eu não jogo para perder.
Nunca fui o que quis.
Nunca quis o que fui.
Nunca fui invadido por uma felicidade duradoura.
E nunca fizeram questão de tentar.
Mas eu tentei tudo o que não tive.
Pensei em todos os detalhes que não deram certo, os que estão dando certo e os que, futuramente, darão e não darão certo.
Gosto de coisas simples, como ler frases bonitas, pensar e realizar, querer e poder, sentir que sou o que não sou para me satisfazer, escutar o que expresse o que está dentro de mim, fazer o que eu tenho vontade, escrever o que sinto, ser quem as pessoas não podem deixar pra trás, amar infinitamente, sentir, reciprocidade de sentimentos bonitos, olhar a lua, pensar e transmitir, rir, fazer rir, frases feitas, felicidade instantânea, sorrir, fazer sorrir, sentir uma brisa de felicidade, ouvir uma música agitada e dançar, ouvir uma música linda e chorar, ouvir uma música legal e mexer as mãos, agitar os dedos, imaginar os takes, falar uma coisa, sentir outra, fazer as pessoas felizes, fazer as pessoas se sentirem mal, arrancar seus vestígios de mim, sentir bem estar, conversar e mostrar o quanto eu posso qualquer coisa que eu quiser.
Mas sou uma pessoa substituta, quase nada é possível quando eu estou lúcido.
Já cheguei a pensar que eu me amasse de verdade mas, talvez eu esteja me afogando e eu esteja apenas nadando em volta de mim.
Acho que eu não entendo o que eu falo porque vivo muitos substitutos o tempo todo.
Say It Right."