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Padre Fábio de Melo

LUÍZA, A MULHER QUE NOS ENSINA
Luíza é o seu nome.
A dor que sente não tem nome.
Brota das razões mais secretas da alma.
Coisa de mãe, coisa de gente que soube recriar o mundo a partir do próprio ventre.
A maternidade coloca as mulheres numa parceria invejável com Deus!
Luíza contou me rapidamente sobre sua dor.
Eu não pude ver os seus olhos, mas pude escutar sua alma.
O seu filho de 30 anos, médico, oficial da marinha estava morto.
Vítima de uma fatalidade, perdeu a vida ao atravessar um cruzamento em Florianópolis.
Depois que ouvi Luíza eu fiquei pensando no mistérios das perguntas que nos rondam, toda vez que a dor vem nos visitar.
Fiquei tentando entender o quanto deve ser difícil para uma mulher ter que protagonizar a imagem da Pietá, a virgem que segura o filho morto nos braços, aos pés do calvário.
Recolher o filho do chão, aconchegá lo ao colo e despedir se dele definitivamente.
A crueza da cena é uma proposta ao silêncio.
Arranca me do mundo das palavras, das respostas prontas e faz me sentar ao chão, ao lado da mãe, para que eu possa ouvir sua respiração ofegante de dor.
Arranca me dos meus livros, da minha Teologia sistematizada e convida me a sujar me na terra do calvário, onde o sangue do filho mistura se às lágrimas da mãe.
Mistura diferente daquela que o trouxe à vida, quando o seu sangue circulava dependente do sangue da sua primeira mulher.
Lágrimas diferentes de tantas outras já derramadas.
Lágrimas de alegria por ver o filho dar os primeiros passos; lágrimas de preocupação em noites em que ele demorava voltar pra casa.
Lágrimas de vitória, quando em noite especial e de gala, aquele garoto crescido, que até tão pouco tempo lhe confiava os joelhos esfolados de futebol, de quedas de bicicleta, agora estava pronto para medicar as dores do mundo.
Um filho especial, como ela mesma me confiara.
Luíza e sua dor.
Luíza e suas saudades.
Luíza e suas lições.
Fiquei pensando nas minhas pequenas reclamações.
Nos cansaços diários que me desiludem e que me despregam da alegria.
Pensei no coração de Luíza e quis deixar de reclamar da vida.
O meu sofrimento perde a sua força quando eu o coloco ao lado dessa mulher.
E nisso já está a ressurreição do seu filho.
Esta dor nos ensina e nos coloca no rumo da sabedoria.
Da mesma forma que Maria nos aponta para o sofrimento de Jesus, para que entendamos o nosso sofrimento.
Maria e Luíza são mulheres parecidas nesta hora.
Ambas embalaram o filho morto nos braços.
Canções de ninar secretas foram entoadas nos silêncios dos lábios.
O choro de mãe é oração que tem o poder de mudar o mundo.
Só precisamos parar para ouvir
Hoje, no silêncio de sua dor, pare pra pensar no sofrimento de Luíza.
Exercite se na proeza de esquecer o que lhe aflige, e recorde se dessa mulher que desconhecemos o rosto, mas conhecemos a dor.
Ela tem muito a nos ensinar.
Ela é um livro que pode ser lido sem palavras.
Ela é um testemunho vivo de que na vida, mesmo nas perguntas mais doídas, há sempre uma esquina que pode nos dar outras opções, além da morte.
Na prece silenciosa que essa mãe nos desperta, permaneçamos.
Amém.

O que da vida não se descreve
Eu me recordo daquele dia.
O professor de redação me desafiou a descrever o sabor da laranja.
Era dia de prova e o desafio valeria como avaliação final.
Eu fiquei paralisado por um bom tempo, sem que nada fosse registrado no papel.
Tudo o que eu sabia sobre o gosto da laranja não podia ser traduzido para o universo das palavras.
Era um sabor sem saber, como se o aprimorado do gosto não pertencesse ao tortuoso discurso da epistemologia e suas definições tão exatas.
Diante da página em branco eu visitava minhas lembranças felizes, quando na mais tenra infância eu via meu pai chegar em sua bicicleta Monark, trazendo na garupa um imenso saco de laranjas.
A cena era tão concreta dentro de mim, que eu podia sentir a felicidade em seu odor cítrico e nuanças alaranjadas.
A vida feliz, parte miúda de um tempo imenso; alegrias alojadas em gomos caudalosos, abraçados como se fossem grandes amigos, filhos gerados em movimento único de nascer.
Tudo era meu; tudo já era sabido, porque já sentido.
Mas como transpor esta distância entre o que sei, porque senti, para o que ainda não sei dizer do que já senti Como falar do sabor da laranja, mas sem com ele ser injusto, tornando o menor, esmagando o, reduzindo o ao bagaço de minha parca literatura
Não hesitei.
Na imensa folha em branco registrei uma única frase.
"Sobre o sabor eu não sei dizer.
Eu só sei sentir! "
Eu nunca mais pude esquecer aquele dia.
A experiência foi reveladora.
Eu gosto de laranja, mas até hoje ainda me sinto inapto para descrever o seu gosto.
O que dele experimento pertence à ordem das coisas inatingíveis.
Metafísica dos sabores Pode ser
O interessante é que a laranja se desdobra em inúmeras realidades.
Vez em quando, eu me pego diante da vida sofrendo a mesma angústia daquele dia.
O que posso falar sobre o que sinto Qual é a palavra que pode alcançar, de maneira eficaz, a natureza metafísica dos meus afetos O que posso responder ao terapeuta, no momento em que me pede para descrever o que estou sentindo Há palavras que possam alcançar as raízes de nossas angústias
Não sei.
Prefiro permanecer no silêncio da contemplação.
É sacral o que sinto, assim como também está revestido de sacralidade o sabor que experimento.
Sabores e saberes são rimas preciosas, mas não são realidades que sobrevivem à superfície.
Querer a profundidade das coisas é um jeito sábio de resolver os conflitos.
Muitos sofrimentos nascem e são alimentados a partir de perguntas idiotas.
Quero aprender a perguntar menos.
Eu espero ansioso por este dia.
Quero descobrir a graça de sorrir diante de tudo o que ainda não sei.
Quero que a matriz de minhas alegrias seja o que da vida não se descreve