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Khalil Gibran

O Homem e a Natureza
"Ao romper do dia, sentei me na campina, travando conversa com a Natureza, enquanto o Homem ainda descansava sossegadamente nas dobras da sonolência.
Deitei me na relva verde e comecei a meditar sobre estas perguntas:
Será a Beleza Verdade Será Verdade a Beleza
E em meus pensamentos vi me levado para longe da humanidade.
Minha imaginação descerrou o véu de matéria que escondia meu íntimo.
Minha alma expandiu se e senti me ligado à Natureza e a seus segredos.
Meus ouvidos puseram se atentos à linguagem de suas maravilhas.
Assim que me sentei e me entreguei profundamente à meditação, senti uma brisa perpassando através dos galhos das árvores e percebi um suspiro como o de um órfão perdido.
“Por que te lamentas, brisa amorosa ” perguntei.
E a brisa respondeu: “Porque vim da cidade que se escalda sob o calor do sol, e os germes das pragas e contaminações agregaram se às minhas vestes puras.
Podes culpar me por lamentar me ”
Mirei depois as faces de lágrimas coloridas das flores e ouvi seu terno lamento E indaguei: “Por que chorais, minhas flores maravilhosas ”
Uma delas ergueu a cabeça graciosa e murmurou: “Choramos porque o Homem virá e nos arrancará, e nos porá à venda nos mercados da cidade.”
E outra flor acrescentou: “À noite, quando estivermos murchas, ele nos atirará no monte de lixo.
Choramos porque a mão cruel do Homem nos arranca de nossas moradas nativas.”
Ouvi também um riacho lamentando se como uma viúva que chorasse o filho morto, e o interroguei: “Por que choras meu límpido riacho ”
E o riacho retrucou: “Porque sou compelido a ir à cidade, onde o Homem me despreza e me rejeita pelas bebidas fortes, e faz de mim carregador de seu lixo, polui minha pureza e transforma minha serventia em imundície.”
Escutei, ainda, os pássaros soluçando e os interpelei: “Por que chorais meus belos pássaros ”
E um deles voou para perto, pousou na ponta de um ramo e justificou: “Daqui a pouco, os filhos de Adão virão a este campo com suas armas destruidoras e desencadearão uma guerra contra nós, como se fôssemos seus inimigos mortais.
Agora estamos nos despedindo uns dos outros, pois não sabemos quais de nós escaparão à fúria do Homem.
A morte nos segue, aonde quer que vamos.”
Então o sol já se levantava por trás dos picos da montanha e coloria os topos das árvores com auréolas douradas.
Contemplei tão grande beleza e me perguntei:
“Por que o homem deve destruir o que a Natureza construiu ”

O Amor
ENTÃO Almitra disse:
Fala nos do Amor.
Ele levantou a cabeça
e olhou o povo;
um silêncio caiu sobre eles.
E disse com voz forte:
Quando o amor vos fizer sinal, segui o;
ainda que os seus caminhos sejam duros e escarpados.
E quando as suas asas vos envolverem, entregai vos;
ainda que a espada escondida na sua plumagem vos possa ferir.
E quando vos falar, acreditai nele;
apesar de a sua voz
poder quebrar os vossos sonhos
como o vento norte ao sacudir os jardins.
Porque assim como o vosso amor vos coroa,
também deve crucificar vos.
E sendo causa do crescimento,
deve cuidar também da poda.
E assim como se eleva à vossa altura
e acaricia os ramos mais tenros
que tremem ao sol,
também penetrará ate às raízes
sacudindo o seu apego a terra.
Como braçadas de trigo vos leva.
Malha vos até ficardes nus.
Passa vos pelo crivo
para vos livrar do palhiço.
Mói vos até à brancura.
Amassa vos até ficardes maleáveis.
Então entrega vos ao seu fogo,
para poderdes ser
o pão sagrado no festim de Deus.
Tudo isto vos fará o amor,
para poderdes conhecer
os segredos do vosso coração,
e por este conhecimento
vos tornardes um bocado
do coração da Vida.
Mas, se no vosso medo,
buscais apenas a paz do amor,
o prazer do amor,
então mais vale cobrir a nudez
e sair da eira do amor,
a caminho do mundo sem estações,
onde podereis rir,
mas nunca todos os vossos risos,
e chorar,
mas nunca todas as vossas lágrimas.
O amor só dá de si mesmo,
e só recebe de si mesmo.
O amor não possui
nem quer ser possuído.
Porque o amor
basta ao amor.
Quando amardes, não digais:
Deus está no meu coração,
mas antes:
Eu estou no coração de Deus.
E não penseis
que podeis guiar o curso do amor;
porque o amor, se vos julgar dignos,
marcará ele o vosso curso.
O amor não tem outro desejo
senão consumar se.
Mas se amardes, e tiverdes desejos,
deverão ser estes:
Fundir se e ser um regato corrente
a cantar a sua melodia à noite.
Conhecer a dor da excessiva ternura.
Ser ferido pela própria inteligência
do amor, e sangrar
de bom grado e alegremente.
Acordar de manhã com um coração alado
e agradecer outro dia de amor.
Descansar ao meio dia
e meditar no êxtase do amor.
Voltar a casa ao crepúsculo
com gratidão;
e adormecer tendo no coração
uma prece pelo bem amado
e um canto de louvor na boca.
in "O Profeta"
de Khalil Gibran

Adotarei o Amor
Adotarei o amor por companheiro
e o escutarei cantando,
e o beberei como vinho,
e o usarei como vestimenta.
Na aurora o amor me acordará e me conduzirá aos prados distantes.
Ao meio dia conduzir me á à sombra das árvores onde me protegerei do sol como os pássaros.
Ao entardecer conduzir me á ao poente, onde ouvirei a melodia da natureza despedindo se da luz, e contemplarei as sombras da quietude adejando no espaço.
À noite o amor abraçar me á, e sonharei com os mundos superiores onde moram as almas dos enamorados e dos poetas.
Na Primavera andarei com o amor lado a lado!
E cantaremos juntos entre as colinas!
E seguiremos as pegadas da vida, que são as violetas e as margaridas!
E beberemos a água da chuva, acumulada nos poços, em taças feitas de narciso e lírios.
No Verão deitar me ei ao lado do amor sobre camas feitas com feixes de espigas, tendo o firmamento por cobertor e a lua e as estrelas por companheiras.
No Outono irei com o amor aos vinhedos e nos sentaremos no lagar!
E contemplaremos as árvores se despindo das suas vestimentas douradas e os bandos de aves migratórias voando para as costas do mar.
No Inverno sentar me ei com o amor diante da lareira!
E conversaremos sobre os acontecimentos dos séculos e as histórias das nações e dos povos.
O amor será
Meu tutor na juventude!
Meu apoio na maturidade!
Meu consolo na velhice!
O amor permanecerá comigo até o fim da vida!
Até que a morte chegue, e a mão de Deus nos reúna de novo!

A Tear And A Smile
I would not exchange the sorrows of my heart
For the joys of the multitude.
And I would not have the tears that sadness makes
To flow from my every part turn into laughter.
I would that my life remain a tear and a smile.
A tear to purify my heart and give me understanding
Of life's secrets and hidden things.
A smile to draw me nigh to the sons of my kind and
To be a symbol of my glorification of the gods.
A tear to unite me with those of broken heart;
A smile to be a sign of my joy in existence.
I would rather that I died in yearning and longing than that I live Weary and despairing.
I want the hunger for love and beauty to be in the
Depths of my spirit,for I have seen those who are
Satisfied the most wretched of people.
I have heard the sigh of those in yearning and Longing, and it is sweeter than the sweetest melody.
With evening's coming the flower folds her petals
And sleeps, embracingher longing.
At morning's approach she opens her lips to meet
The sun's kiss.
The life of a flower is longing and fulfilment.
A tear and a smile.
The waters of the sea become vapor and rise and come
Together and area cloud.
And the cloud floats above the hills and valleys
Until it meets the gentle breeze, then falls weeping
To the fields and joins with brooks and rivers to Return to the sea, its home.
The life of clouds is a parting and a meeting.
A tear and a smile.
And so does the spirit become separated from
The greater spirit to move in the world of matter
And pass as a cloud over the mountain of sorrow
And the plains of joy to meet the breeze of death
And return whence it came.
To the ocean of Love and Beauty to God.

A Razão e a Paixão
E a sacerdotisa adiantou se novamente e disse: "Fala nos da razão e da paixão".
E ele respondeu, dizendo: Vossa alma é freqüentemente um campo de batalha onde vossa razão e vosso juízo combatem vossa paixão e vosso apetite.
Pudesse eu ser o pacificador de vossa alma, transformando a discórdia e a rivalidade entre vossos elementos em união e harmonia.
Mas como poderei fazê lo, a menos que vós mesmos sejais também pacificadores, mais ainda, enamorados de todos os vossos elementos
Vossa razão e vossa paixão são o leme e as velas de vossa alma navegante.
Se vossas velas ou vosso leme se quebram, só podereis derivar ou permanecer imóveis no meio do mar.
Pois a razão, reinando sozinha, restringe todo impulso; e a paixão, deixada a si, é um fogo que arde até sua própria destruição.
Que vossa alma eleve, portanto, vossa razão à altura de vossa paixão, para que ela possa cantar, E que dirija vossa paixão a par com vossa razão, para que ela possa viver numa ressurreição cotidiana e, como a fênix, renascer das próprias cinzas.
Gostaria que tratásseis vosso juízo e vosso apetite como trataríeis dois hóspedes amados em vossa casa.
Certamente não honraríeis um hóspede mais do que o outro; pois quem procura tratar melhor um dos dois, perde o amor e a confiança de ambos.
Entre as colinas, quando vos sentardes à sombra fresca dos álamos brancos, compartilhando a paz e a serenidade dos campos e dos prados distantes, então que vosso coração diga em silêncio: "Deus repousa na razão".
E quando bramir a tempestade, e o vento poderoso sacudir a floresta, e o trovão e o relâmpago proclamarem a majestade do céu, então que vosso coração diga com temor e respeito: "Deus age na paixão".
E já que sois um sopro na esfera de Deus e uma folha na floresta de Deus, vós também devereis descansar na razão e agir na paixão.

Então, Almitra disse: 'Fala nos do amor'
E ele ergueu a fronte e olhou para multidão, e um silêncio caiu sobre todos,
e com uma voz forte, disse:
'Quando o amor vos chamar, segui o,
Embora seus caminhos sejam agrestes e escarpados;
E quando ele vos envolver com suas asas, cedei lhe,
Embora a espada oculta na sua plumagem possa ferir vos;
E quando ele vos falar, acreditai nele,
Embora sua voz possa despedaçar vossos sonhos como
o vento devasta o jardim.
Pois, da mesma forma que o amor vos coroa, assim
ele vos crucifica.
E da mesma forma que contribui para
vosso crescimento, trabalha para vossa poda.
E da mesma forma que alcança vossa altura e acaricia
vossos ramos mais tenros que se embalam ao sol,
Assim também desce até vossas raízes e as sacode no
seu apego à terra.
Como feixes de trigo, ele vos aperta junto ao seu coração.
Ele vos debulha para expor vossa nudez.
Ele vos peneira para libertar vos das palhas.
Ele vos mói até a extrema brancura.
Ele vos amassa até que vos torneis maleáveis.
Então, ele vos leva ao fogo sagrado e vos transforma
no pão místico do banquete divino.
Todas essas coisas, o amor operará em vós para que
conheçais os segredos de vossos corações e, com esse
conhecimento, vos convertais no pão místico do banquete divino.
Todavia, se no vosso temor, procurardes somente a
paz do amor e o gozo do amor,
Então seria melhor para vós que cobrísseis vossa nudez
e abandonásseis a eira do amor,
Para entrar num mundo sem estações, onde rireis, mas
não todos os vossos risos, e chorareis, mas não todas as
vossas lágrimas.
O amor nada dá senão de si próprio e nada recebe
senão de si próprio.
O amor não possui, nem se deixa possuir.
Pois o amor basta se a si mesmo.
Quando um de vós ama, que não diga: 'Deus está no
meu coração', mas que diga antes: 'Eu estou no coração de Deus.'
E não imagineis que possais dirigir o curso do amor
pois o amor, se vos achar dignos, determinará ele próprio
o vosso curso.
O amor não tem outro desejo senão o de atingir
a sua plenitude.
Se, contudo, amardes e precisardes ter desejos, sejam
estes os vossos desejos:
De vos diluirdes no amor e serdes como um riacho
que canta sua melodia para a noite;
De conhecerdes a dor de sentir ternura demasiada;
De ficardes feridos por vossa própria compreensão do amor
E de sangrardes de boa vontade e com alegria;
De acordardes na aurora com o coração alado e agradecerdes por um novo dia de amor;
De descansardes ao meio dia e meditardes sobre o
êxtase do amor;
De voltardes para casa à noite com gratidão;
E de adormecerdes com uma prece no coração para o
bem amado, e nos lábios uma canção de bem aventurança.