Ninguém compreende o outro.
Somos, como disse o poeta, ilhas no mar da vida; corre entre nós o mar que nos define e separa.
Por mais que uma alma se esforce por saber o que é outra alma, não saberá senão o que lhe diga uma palavra – sombra disforme no chão do seu entendimento.
Põe me as mãos nos ombros
Beija me na fronte
Minha vida é escombros,
A minha alma insonte.
Eu não sei por quê,
Meu desde onde venho,
Sou o ser que vê,
E vê tudo estranho.
Põe a tua mão
Sobre o meu cabelo
Tudo é ilusão.
Sonhar é sabê lo.
Há qualquer coisa
de longínquo em mim neste momento.
Estou de facto à varanda da vida,
mas não é bem desta vida.
( )
Sou todo eu uma vaga saudade,
nem do passado,
nem do futuro:
sou uma saudade do presente,
anônima,
prolixa e incompreendida.
"Substitui te sempre a ti próprio.
Tu não és bastante para ti.
Sê sempre imprevenido [ ] por ti próprio.
Acontece te perante ti próprio.
Que as tuas sensações sejam meros acasos, aventuras que te acontecem.
Deves ser um universo sem leis para poderes ser superior"
"( ) O sonho que nos promete o impossível já nisso nos priva dele, mas o sonho que nos promete o possível intromete se com a própria vida e delega nela a sua solução.
Um vive exclusivo e independente; o outro submisso das contingências do que acontece."
A chuva desce a ladeira
A água da chuva desce a ladeira.
É uma água ansiosa.
Faz lagos e rios pequenos, e cheira
A terra a ditosa.
Há muitos que contam a dor e o pranto
De o amor os não qu'rer
Mas eu, que também não os tenho, o que canto
É outra coisa qualquer.
"Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram me logo por quem não era e não desmenti, e perdi me.
Quando quis tirar a marcará,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido."
Os sentimentos que mais doem, as emoções que mais pungem, são os que são absurdos – a ânsia de coisas impossíveis, precisamente porque são impossíveis, a saudade do que nunca houve, o desejo do que poderia ter sido, a mágoa de não ser outro, a insatisfação da existência do mundo.
"Sento me à porta e embebo meus olhos e ouvidos nas cores e nos sons da paisagem, e canto lento, para mim só, vagos cantos que componho enquanto espero”.
( Bernardo Soares [Semi heterônimo de Fernando Pessoa],no Livro do Desassossego.
(Org.) de Richard Zenith Assírio E Alvim, 2008.)