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Demétrio Sena Magé RJ.

CONSELHO TORTO PRA POBRE BOBO
Demétrio Sena, Magé RJ.
Faz arminha e faz festa para teu patrão
que sorri satisfeito; chibata na mão;
ele sim, tem motivo pra fazer arminha
Agradece por tudo que o governo arranca,
faz caretas e bocas, impõe tua banca,
dando vivas e urras pra tua vidinha
Ou até faz arminha por nem ter emprego,
diz que o céu proverá, finge ter desapego
ao conforto que todo cidadão merece
Faz arminha pro SUS que te mata e aos teus,
pede ajuda, migalhas, dá graças a Deus
e decora o ditado: "Faz parte; acontece"
Faz arminha pras armas que nunca terás
pelas formas da lei, mas aí tanto faz,
o país ter mais armas deve ser tão bom
Faz também pra quem faz com arma de verdade;
pra indústria do crime; da desigualdade,
pela qual manda o rico e você baixa o tom
Pro teu líder que faz porque tem vida ganha;
para muitos espertos que fazem barganha
ou estão protegidos em algum segredo
Continua sofrendo com tanta injustiça,
mesmo assim faz arminha no culto e na missa,
pra milícia, pro tráfico e também pro medo
Faz arminha que aponta para o próprio pé;
quando jogas teu sonho; teus dons; tua fé;
porque já te rendeste à própria covardia
E repete os discursos de quem se dá bem
com teu dízimo, imposto, com teu vai e vem
para nunca sofreres barriga vazia
Louva os falsos heróis que se criam aqui,
faz arminha pro nada que fazem por ti,
continua sem tino, sem chão e sem rumo
Enaltece quem quer que a criança dê duro;
pobre fora da escola; perdido no escuro;
faz arminha, gargalha, salta e leva fumo

A JOVEM DO LOTAÇÃO
Demétrio Sena, Magé RJ.
Quando a mocinha ruiva e muito bem vestida entrou no lotação, só havia uma vaga para sentar.
Um jovem negro que ocupava o assento ao lado se ajeitou para que ela ocupasse confortavelmente a vaga.
A moça não quis.
Agradeceu educadamente, meio de viés, e permaneceu como estava.
O assento logo foi ocupado por outra pessoa.
Era uma viagem demorada e cansativa, e o lotação lotou.
As pessoas ficaram espremidas e a moça continuava em pé.
Bem depois, um rapaz que desembarcaria no próximo ponto a cutucou pelas costas e convidou a ocupar antecipadamente a vaga.
No assento à direita, uma senhora bem idosa, em trajes encardidos e muito pobres, abriu um sorriso muito simpático, de alguns dentes cariados, como se desse boas vindas à moça.
Mas a moça continuava bem.
Não estava cansada.
Outra vez agradeceu educadamente e de viés.
Mas ninguém é de ferro.
Quando o lotação começou a esvaziar, e ainda restava um bom pedaço de asfalto para chegar ao ponto final, onde a mocinha ruiva desembarcaria, mais um passageiro desembarca e deixa um novo lugar, ao lado de um moço forte, alto, branco e metido em trajes sociais.
Aí a moça se rende: lentamente se dirige à poltrona, dá um sorriso simpático, seguido de um 'com licença', senta, se recosta e dorme.
Não tarda muito, e o moço bem apessoado sai, de forma bem delicada para não acordar a moça.
No mesmo ponto, embarca no lotação um idoso esquelético, visivelmente esgotado e carregando pesados sacos de sucata, que ele catara provavelmente o dia inteiro.
Deixa os sacos perto da porta, se dirige à vaga na mesma poltrona da mocinha ruiva, e com expressão de alívio se acomoda, sem demorar também a dormir.
Regidas pelo cansaço, o conforto da poltrona quase macia, o vento da janela e o ruído suave do veículo em movimento, ambas as cabeças pendem, cada uma para o ombro ao lado.
É nessa entrega inocente, simbólica e desarmada que ambos seguem viagem para o mesmo bairro, onde moram cercados pelas mesmas realidades diárias.