Clarice Lispector

Eu me sinto culpado quando não vos obedeço.
Sou feliz na hora errada.
Infeliz quando todos dançam.

Eu sou tímida e ousada ao mesmo tempo.

Eu bem que me controlo, mas sou tão sensível.

Sou inquieta, áspera ( ), embora amor dentro de mim eu tenha.
( ) Sou vulnerável às menores bobagens, às mínimas palavras ditas, a olhares até, e sobretudo, a imaginações.
Só não conto os fatos de minha vida: Sou secreta por natureza.

Minha pergunta, se havia, não era: "que sou", mas "entre quais eu sou".

Vou adiante de modo intuitivo e sem procurar uma idéia: sou orgânica.
E não me indago sobre os meus motivos.
Mergulho na quase dor de uma intensa alegria – e para me enfeitar nascem entre os meus cabelos folhas e ramagens.

A gradual escuridão me amedronta um pouco, bicho que sou e que toma cautela.
Escuridão medo e espanto.
O dia morrendo em noite é um grande mistério da Natureza.
Em mim ela brota de meu âmago qual semente que rompe a terra.

Tenho duas caras.
Uma quase feia, outra quase bonita.
O que eu sou Um quase tudo.

Ou sou tudo ou sou nada.

Eu sou um poema inacabado

Quem eu sou
"Eu sou uma pergunta! "

Eu sou do tipo dos sem tipos.

Porque, quanto a mim, sinto de vez em quando que sou o personagem de alguém.
É incômodo ser dois: eu para mim e eu para os outros.

"Sou vulnerável às menores bobagens, às mínimas palavras ditas, a olhares até, e sobretudo, a imaginações."

" Mas não sou completa, não.
Completa lembra realizada.
Realizada é acabada.
Acabada é o que não se renova a cada instante da vida e do mundo.
Eu vivo me completando mas falta um bocado."