Por um amor vira latas:
Nunca acreditei muito nessas coisas de pré destinação escritas e descritas nas estrelas, também nunca acreditei no acaso.
Inferno astral bobagem! No entanto, no limiar dos meus 40 anos, tenho sido tomado por pensamentos que cumprem um pouco as previsões e pragas lançadas, há tempos, pelos mais velhos.
Dentre esses pensamentos, um tem sido recorrente, se feito presente até em meus sonhos, que é o pensamento de que o mundo se descortinaria e todas as etiquetas, rótulos e pompas da juventude se mostrariam como dispensáveis, inúteis e cansativos e nesse momento sentiria falta daquele beijo envergonhado, dado pela mãe, na porta da escola, daquele cachorro vira latas que tinha encontrado na rua, sem raça definida e que me esperava sentado na rua, ainda em chão batido, que quando me avistava corria em minha direção e pulava no meu peito, com uma alegria tão generosa, que sem se importar se minha camisa ou meu avental branquinho se sujariam, lambia minha cara e honesta e fraternalmente, abrigava se ao meu lado para dividirmos um pedaço de pão com manteiga ou outro alimento qualquer, não fazia diferença.
Minha mãe ! Sim, esbravejava e maldizia o cãozinho, ao ver o estrago que causara em minha roupa, mas com seu jeito caipira e também muito honesto, pegava o avental ou minha camisa, dirigia se ao tanque, com uma pedra de sabão Rio, lavava as roupas, as estendia numa corda, que ela chamava de varal, para "cuará" enquanto isso, eu e meu leal e honesto amigo, nos aquietávamos em algum canto da pequena casa e esperávamos que a velha se acalmasse e fizesse suas previsões: Um dia você vai sentir falta de tudo isso, sentenciava.
É, minha velha estava certa, ela ainda está viva e ainda fazendo previsões.
Meu amigo vira latas morreu.
Os vira latas, nunca sabíamos de onde vinham, quem eram seus antecedentes, quais eram suas comidas preferidas ou quais cuidados especiais deveríamos ter com eles, eles simplesmente apareciam e ofereciam o que tinham de melhor, o AMOR, e esse amor era tão puro e tão verdadeiro que eles também nunca nos perguntavam quais eram nossas origens, quais eram nossos gostos pessoais, eles estavam sempre dispostos a dividir um pão com manteiga ou nossos chinelos.
Os pães e os chinelos eram escassos, o AMOR, esse não, o AMOR era abundante.
Hoje compramos nossos amigos, com pedigree e recomendações de cuidados, compramos nossos amigos com etiquetas e pompas, nos desumanizamos para humanizar os bichinhos e pagamos caro para disfarçar nossa desolada solidão, pois o pedigree, os mimos e bibelôs não traduzem o amor.
Hoje, já me desfazendo das cascas douradas e inúteis das horas, como diz o poeta, desejo apenas e profundamente um AMOR vira latas.