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Gabriel Chalita

Um encontro de Paulo Freire e Ariano Suassuna e a aula espetáculo dada por Ariano sobre a amizade:
Outra boa história, desta vez protagonizada por brasileiros, também traduz muito bem o significado da amizade.
Ela é narrada pelo mestre paraibano Ariano Suassuna em suas famosas aulas espetáculo, em que o escritor conta “causos” deliciosos a respeito de suas amizades.
Um deles tem como personagem o educador Paulo Freire, um amigo queridíssimo de Suassuna.
O escritor revela que, certa vez, encontrou Freire num evento e, muito saudoso – fazia muito tempo que não se viam , correu em desabalada carreira para abraçá lo, e o fez de forma efusiva, festiva e carinhosa.
Como era um evento de grande porte, vários fotógrafos e cinegrafista da imprensa presenciaram o encontro, mas não tiveram tempo suficiente de escolher os melhores ângulos registrar as imagens espontâneas e comoventes dos dois mestres.
Pediram então a Suassuna que repetisse a cena do abraço fraternal.
Perplexo com a solicitação, o criador de "O Auto da Compadecida" – famoso pelo senso de humor e pela sinceridade – rebateu em seu sotaque inconfundível: “Ó ómi, onde já se viu Então será possível representar amizade e afeto Só se eu fosse ator! Como não sou, não posso fazer a cena de novo, não.
Vocês me desculpem.” Nessa oportunidade, Suassuna deu uma aula espetáculo sobre a amizade, sentimento desprovido de qualquer representação, fingimentos e farsas.

Escola, família e comunidade: a tríade para o futuro
O escritor argentino Jorge Luis Borges costumava dizer que o maior acontecimento de sua vida foi a biblioteca de seu pai que o conduziu às veredas fascinantes da existência real e onírica.
Já o cantor, compositor e escritor brasileiro Chico Buarque filho do historiador Sérgio Buarque de Hollanda também teve sua história profundamente ligada ao gosto pela leitura, adquirido desde a infância.
O autor de clássicos como A Banda, Construção e Cálice afirma que, já na adolescência, era impossível não ceder aos encantos daquelas obras tão convidativas que lotavam as prateleiras de sua casa a ponto de impedir a abertura de algumas janelas.
Para arrematar, temos a declaração reveladora da escritora Hilda Hilst, quando se lembra da influência de seu pai o poeta, jornalista e fazendeiro Apolônio de Almeida Prado Hilst na sua vida e na sua carreira: "Meu pai foi a razão de eu ter me tornado escritora ( ).
E eu tentei fazer uma obra muito boa para que ele pudesse ter orgulho de mim." Como vimos nesse paradoxal pequeno/grande universo recolhido apenas da seara das letras e das músicas e que faz referência somente à influência paterna a participação, o incentivo e o exemplo da família na formação emocional e intelectual dos indivíduos é, muito mais do que um dever, uma ação fundamental.
Mesmo nos lares cujos pais, mães, tios e avós não têm uma formação educacional regular, nem condições financeiras para adquirir livros, é importante que haja, sobretudo, a transmissão do amor pelo saber, pelo conhecimento, pela educação e, é claro, pela escola.
O governo do Estado de São Paulo, por meio da Secretaria de Estado da Educação, está atento a essa necessidade de intensificar a integração entre os alunos da rede estadual de ensino e as suas famílias, ampliando esse vínculo por intermédio da escola e da comunidade.
Cremos que as instituições públicas educacionais possam ser a porta de entrada para o novo tempo com o qual têm sonhado gerações sucessivas.
Um tempo em que a escola seja um centro de luz capaz de irradiar o gosto pelo aprendizado constante, pelo esporte e, por que não, pelo lazer, uma combinação infalível para a construção de uma nação realmente soberana, fruto de uma experiência educativa lúdica, afetuosa e responsável.
Uma nação capaz de exercer plenamente a sua cidadania.
Por isso, com planejamento, entusiasmo, criatividade e o auxílio precioso de numerosos profissionais, parceiros e voluntários desenvolvemos o Programa Escola da Família, que está colocando em prática uma iniciativa inédita: abrir as mais de seis mil escolas da rede nos fins de semana, para a convivência familiar e comunitária.
Neste sábado, domingo e em todos os fins de semana do ano, colocaremos à disposição dos seis milhões de alunos dos Ensino Fundamental e Médio, de suas famílias, amigos e vizinhos as praças esportivas, as áreas de lazer e os ambientes escolares em todos os municípios paulistas.
Todos terão acesso a uma programação variada que inclui atividades artísticas, culturais, esportivas e recreativas, além de oficinas profissionalizantes.
Atividades decididas em conjunto com os moradores do entorno da escola, respeitando os usos e os costumes locais.
Para tanto, temos parcerias importantes, como a da Unesco, a do Faça Parte Instituto Brasil Voluntário e também do Instituto Ayrton Senna, que é, desde o início, responsável pela capacitação dos educadores, universitários e voluntários envolvidos no programa.
Contamos, ainda, com a participação das Associações de Pais e Mestres (APMs).
Aos universitários que se inscreveram no programa, a Secretaria de Estado da Educação está oferecendo 25 mil bolsas de estudo.
Cada bolsa vale metade das mensalidades, até um teto máximo de R$ 267,00.
O valor restante será complementado pelas instituições de ensino onde estudam.
Assim, os selecionados, que necessariamente precisam ter cursado o Ensino Médio na escola pública, terão 100% das respectivas mensalidades cobertas.
Em troca, trabalharão nas escolas aos sábados e domingos como monitores.
O sonho do acesso à universidade e o sonho da escola cidadã ocorrendo de forma simultânea.
O Programa Escola da Família é um convite para que sejamos mais do que executores, co responsáveis pela construção desse novo modelo educacional.
Um modelo capaz de originar, com a ajuda e o incentivo das famílias e comunidades, novos autores extraordinários Não somente de livros e de canções deslumbrantes, mas, sobretudo, de novos amanhãs que sejam tão harmônicos quanto bem escritos.
Amanhãs que receberão a contribuição valiosa da esfera da ficção e da criação artística, mas, que serão, para a nossa alegria, muito mais reais e palpáveis.
Publicado no jornal Diário do Grande ABC

A bela amizade de Damon e Pítias
De acordo com o filósofo Cícero, considerado o maior orador romano, a história de Damon e Pítias se passou no século IV a.c., em Siracusa, cidade estado da Sicília.
Ainda segundo Cícero, ambos eram seguidores do filósofo Pitágoras.
Damon e Pítias nutriam um pelo outro uma amizade verdadeiramente inabalável.
Era um sentimento fraterno que configurava uma singular irmandade, espécie de união e de vínculo espiritual perpétuo que, com o passar do tempo, ganhava intensidade e se solidificava cada vez mais.
Possuía uma ligação tão rara que os tornava, por assim dizer, irmãos de alma, uma característica nem sempre presente nos irmãos de sangue.
Sob o signo sagrado desse afeto, Damon e Pítias cresceram juntos e foram, gradativamente, descobrindo as maravilhas e as dificuldades da aventura real da vida.
Assim, aprenderam a somar e a compartilhar as alegrias e as tristezas da infância, da adolescência e da idade adulta.
A força e a beleza dessa amizade eram conhecidas e admiradas por todos, até que esse laço que os unia precisou ser posto à prova.
Certo dia Dionísio, rei de Siracusa, enfurecido pelos discursos de Pítias – que pregava a liberdade e a igualdade entre os homens em oposição aos regimes tirânicos , mandou chamá lo, juntamente com o amigo Damon.
Nesse encontro – mais do que propício ao embate de idéias , Dionísio questionou Pítias a respeito de seus discursos, alegando que suas palavras só serviam para perturbar a ordem vigente e causar inquietações entre as pessoas.
Ao ouvir isso, Pítias retrucou dizendo falar apenas a verdade e não ver mal nenhum em discorrer sobre o que considerava certo.
Enfurecido, o rei de Siracusa foi além e perguntou a Pítias, sem meias palavras, se, dentro da verdade divulgada por ele, os reis teriam poder excessivo e executariam leis contrárias ao bem estar dos súditos.
Pítias admitiu pensar assim, afirmando que, se um rei tomava o poder sem o consentimento do povo, só poderia estar agindo de forma autoritária e avessa aos interesses populares.
Por defender seus princípios, Pítias foi, então, acusado de traição e condenado à morte.
Triste, mas corajoso o suficiente para atacar sua sentença, Pítias solicitou ao rei a realização de um último desejo: que lhe permitisse voltar a sua casa para se despedir da família e concluir alguns assuntos domésticos.
O rei relutou, mas, depois de argumentações de ambos os lados, foi convencido por Damon, que, demonstrando total confiança no caráter de Pítias, ofereceu se para morrer no lugar do amigo caso ele fugisse durante a jornada – hipótese levantada pelo rei.
O fato de manter Damon como prisioneiro no lugar de Pítias convenceu o soberano de Siracusa de que poderia descontar no amigo fiel as “insolências” de Pítias caso este traísse a confiança de Damon e desaparecesse de forma irresponsável e covarde.
Dessa forma, conforme o combinado, Damon foi levado à prisão no lugar de Pítias.
À medida em que os dias se passavam, a guarda do rei e o próprio soberano começaram a escarnecer do prisioneiro, enfatizando o fato de que o dia e a hora da execução estavam se aproximando e Pítias não havia voltado, como prometera.
Damon respondia às provocações reafirmando sua confiança no amigo e alegando que deveria ser apenas um atraso, ter acontecido algum imprevisto durante o caminho, etc.
O tempo foi passando e, finalmente, chegou o dia marcado para a execução.
Damon foi levado à presença de Dionísio e de seu algoz.
Mais uma vez, o rei fez questão de lembrar a ausência de seu amigo e o modo como ele o abandonara.
Uma vez mais, Damon respondeu que continuava acreditando em Pítias.
No mesmo instante, as portas do recinto se abriram e Pítias entrou.
Ele estava visivelmente esgotado, pálido, cambaleante, ferido.
Ainda assim, o exausto viajante arranjou forças para abraçar Damon e comemorar o fato de tê lo encontrado com vida, apesar de seu atraso.
Emocionado, Pítias explicou que seu navio naufragara durante uma tempestade e que bandidos o haviam atacado na estrada.
Apesar de todos esses contratempos e de estar fisicamente debilitado, jamais perdera a esperança de chegar a tempo de salvar o amigo da morte, cumprindo ele próprio, a sentença determinada pelo rei.
Ao presenciar essa cena, Dionísio foi vencido pela beleza daquele sentimento grandioso que se manifestava de forma comovente diante dos olhos dos presentes.
Imediatamente, o rei declarou revogada a sentença, admitindo ter cometido um erro.
Era a primeira vez que presenciava evidências de tão elevado grau de amizade, lealdade e fé.
Assim, o rei de Siracusa concedeu lhes a liberdade, solicitando em troca que os dois amigos lhe ensinassem como construir tão sólida amizade.
Gabriel Chalita, in Pedagogia do Amor

SOBRE ÉTICA,CULTURA E POLÍTICA
Guimarães Rosa, em entrevista ao crítico Günter Lorenz, disse que "a política é desumana porque dá ao homem o mesmo valor que uma vírgula em uma conta".
A desumanidade da política extrapola a esfera dos governantes e governados e navega nas várias esferas da vida na pólis, na sociedade.
A desumanidade, lembrada pelo escritor Guimarães Rosa, refere se à falta de compromisso com a verdade, com o conhecimento.
Há por aí filósofos de pára choque de caminhão.
Pessoas que julgam pessoas sem o menor conhecimento de sua obra.
Vários pensadores foram vítimas desses semicultos.
Colocaram frases jamais proferidas na boca de Maquiavel.
Deturparam Marx ou Sartre.
Ridicularizaram ideologias.
Sobre os semicultos, escreveu Mário de Andrade nos idos de 1927: "A gente pode lutar com a ignorância e vencê la.
Pode lutar com a cultura e ser ao menos compreendido, explicado por ela.
Com os preconceitos dos semicultos, não há esperança de vitória ou de compreensão".
Os semicultos estão por aí, escondidos atrás de um pequeno poder.
Dizem superficialidades, deixam se levar por um olhar tacanho do que não conhecem e fingem conhecer.
Os semicultos não têm a humildade necessária para a dialética.
Não há antítese.
Apenas tese.
Tosca tese de quem nunca nada defendeu.
Apenas destruiu ou tentou destruir.
Há de se discutir a ética na política, nas organizações e na mídia.
Falta com a ética o político demagogo ou o corrupto, ou o que semeia inverdades em redações de jornais e revistas, ou o que mente à sociedade.
Falta com a ética o jornalista que se deixa deslumbrar com o poder de destruir e não investiga, não vai a fundo no que escreve.
Falta com a ética quem destrói a gestão do outro, a obra construída solidamente na política ou na empresa.
O trabalho sagrado de servir.
É tempo de ética.
Da ética aristotélica do meio termo.
Da ética do valor, da axiologia preconizada por Miguel Reale.
Do conceito correto de política que constrói Estados e pessoas, como sonhava Bobbio.
Da ética da linguagem.
A palavra a serviço da verdade e do conhecimento.
A semiótica de Umberto Eco, que, relembrando Cícero, fala em razão e emoção.
Em fragilidade e consistência.
Da ética da humildade.
Os arrogantes ou semicultos se distanciam muito da verdade, pois só enxergam a si mesmos.
Humildade no respeito à diversidade.
A intransigência leva ao radicalismo, e este, à tragédia.
Franco Montoro dizia que há coisas em que não podemos ceder valores, ética.
Quantos às outras, é preciso ter olhos de ver.
Humildade em reconhecer o valor do outro.
Não podem interesses levianos de períodos eleitorais jogarem lama em carreiras construídas com afinco.
Adélia Prado, poeta da leveza, disse: "Só pessoas equivocadas quanto à natureza do fato literário repudiam um livro por sua casuística religiosa.
O enredo ou tema de um livro não é o que o torna bom ou mau.
Seu valor e desvalor têm a ver com forma, apenas".
A maturidade literária ou a maturidade crítica exige conhecimento, profundidade.
"Não li e não gostei" é coisa de semiculto.
Enfim, que neste ano eleitoral haja muito debate, muita investigação e, acima de tudo, compromisso com a verdade.
Que a ética permeie o calor do debate, que será mais rico e belo se deixar fluir o passado e o amanhã sem desmerecer a pessoa.
Um debate ético lança luzes sobre idéias, não sobre perfumaria.
Um debate ético ajuda a consolidar a cultura democrática e respeitosa.
O Brasil tem mulheres e homens com essa postura em todos os ambientes profissionais.
Que esses sirvam de exemplo aos demais.
São profissionais que construíram uma obra.
Aliás, o que é muito mais edificante do que destruir obras alheias.
Publicado no Jornal Folha de São Paulo

DESAFIOS DA EDUCAÇÃO
É oportuno, neste momento de comemorações do Dia do Professor, compartilhar algumas reflexões sobre a educação.
Houve tempo em que estudar era ser posto à prova, era enfrentar vicissitudes para temperar o espírito, segundo os paradigmas da época.
Tratava se de um combate, que evitava o prazer e valorizava o sacrifício.
Todos nos lembramos do relato de Raul Pompéia: "Vais encontrar o mundo, disse me meu pai, à porta do Ateneu.
Coragem para a luta." Também nos lembramos do chefe timbira, de Gonçalves Dias, que diz ao filho: "Coragem, meu filho, que a vida, é luta renhida, viver é lutar."
Provação.
Era disto que se tratava a vida e a escola.
Mas a pedagogia avançou.
Hoje sabemos que viver é enfrentar, mas não é amargurar; que estudar é buscar, superar, mas não é desesperar.
O aprendizado deve ser prazeroso, e este pode ser o desafio mais importante do profissional de educação.
Talvez tenha sido Cecília Meirelles quem fez a síntese mais poética do que seja ensinar.
Para a doce poeta e educadora, ensinar é "acordar a criatura humana dessa espécie de sonambulismo em que tantos se deixam arrastar.
Mostrar lhes a vida em profundidade.
Sem pretensão filosófica ou de salvação mas por uma contemplação poética afetuosa e participante."
E aí está em que se baseia a educação: afeto e solidariedade.
E compreensão.
Até para o erro.
Edgar Morin costuma dizer que todo conhecimento comporta o risco do erro e da ilusão.
Para ele, "o maior erro seria subestimar o problema do erro; a maior ilusão seria subestimar o problema da ilusão."
Em meu livro Educação: a solução está no afeto, falo das três habilidades que acredito que precisam ser desenvolvidas no aprendiz: cognitiva, emocional e social.
Quando um aluno erra, o professor preparado corrige, mas não censura, disciplina, mas não ridiculariza, repara, mas não condena.
O educador não pode mais assumir o papel de detentor absoluto do conhecimento, embora deva se manter em contínua capacitação.
Deve ser mais do que apenas o facilitador da busca do conhecimento pelo aprendiz.
Deve ser um instigador.
O professor que faz jus ao título de educador estimula a cooperação, porque a palavra que sintetiza o conceito da educação contemporânea é a reciprocidade.
Estimula a vivência, a comparação, a análise crítica, o intercâmbio de idéias e de experiências.
Tem ou desenvolve habilidade para fazer com que os talentos sejam exteriorizados.
E desse modo descobre capacidades e orienta realizações.
Triste é o educador que já não acredita mais na capacidade de aprendizado, que não se debruça para examinar melhor a peculiaridade de cada aprendiz.
Este não ensina nem aprende.
Porque a educação não é pesar, é prazer.
Em resumo: trabalhar em equipe, resolver problemas, saber ensinar e aprender a ser solidário.
Eis o que é ensinar! O mundo da competitividade é o mundo da heterogeneidade.
Comparar pessoas diferentes e não há pessoas iguais é desestimular a criatividade e a autonomia.
"A melhor aprendizagem ocorre quando o aprendiz assume o comando de seu próprio desenvolvimento em atividades que sejam significativas e lhe despertem o prazer".
A frase é do sul africano Seymour Papert, matemático, professor do Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT) e pai da Inteligência artificial, um dos maiores visionários do uso da tecnologia na educação.
Em 1960 já dizia que toda criança deveria ter um computador em sala de aula.
Mas a tecnologia sozinha não representa evolução na forma de educar.
O computador é ferramenta, é apoio, é máquina, e máquina alguma substitui o professor este sim, a alma da educação.
O professor não pode ser como um disco de memória de computador, apenas um depósito de informação.
Há muitas formas de desenvolver conhecimento, mas o ato de educar só se dá com afeto, só se completa com amor.
E a educação se realiza porque, junto com o amor, surge compromisso, respeito, a necessidade de continuar a estudar sempre, de preparar aulas mais participativas.
A educação é, em todas as suas dimensões, um grande desafio.
Um desafio que depende em sua maior parte do professor, a quem venho reverenciar nesta data comemorativa.
É o professor que fará, com dignidade e respeito que são, afinal, formas de amor com que a educação se transforme em puro prazer de viver.
Jornal O Estado de Minas, 09 de outubro de 2006

RUTH GUIMARÃES,A FADA DA LITERATURA
O Vale do Paraíba celebra insuficientemente os seus representantes da literatura.
Com algumas exceções, como a inovadora disciplina de Literatura Valeparaibana, criada pelo professor José Luiz Pasin, em Guaratinguetá, e como as honestas iniciativas da Fundação Cultural Cassiano Ricardo de São José dos Campos, os alunos do Vale do Paraíba pouco sabem dos seus escritores.
O justo destaque dado a Monteiro Lobato deixa a impressão injusta de que o taubateano foi o único escritor do Vale do Paraíba.
Merecem pouco espaço, até da imprensa regional, o lorenense Péricles Eugênio da Silva Ramos, o joseense Cassiano Ricardo e os cachoeirenses Valdomiro Silveira e Ruth Guimarães.
E é de Ruth que quero falar.
A fada da literatura.
Quem disse isto foi Guimarães Rosa, em dedicatória que fez a ela, num exemplar de "Corpo de Baile", quando os dois eram mocinhos, ambos escritores iniciantes, e repartiam uma noitada de autógrafos com Lygia Fagundes Telles e Amadeu Amaral.
A dedicatória é assim: "A Ruth Guimarães, minha irmã, parenta minha, que escreve como uma fada escreveria."
Por essa época, Ruth era muito moça, muito pobre, muito magra, e muito míope, como ela mesma se definia.
Trabalhava em dois empregos para criar quatro irmãos menores: datilógrafa à tarde, revisora da Editora Cultrix à noite.
De manhã cursava Letras Clássicas na USP.
Hoje, aposentada de 35 anos de aulas de português, grego e latim, não abandonou a máquina de escrever.
Produz crônicas semanais para o jornal ValeParaibano, traduz obras do francês e do latim.
Escreve duas horas por dia, como mandou o seu mestre Mário de Andrade, com quem aprendeu folclore, e sob cuja orientação escreveu "Filhos do Medo", uma pesquisa sobre o diabo na mitologia valeparaibana.
Ruth nasceu em junho, "junho das noites claras, de céu nítido", na minha Cachoeira Paulista, no Santo Antonio de 1920.
"Eu quisera escrever em tons suaves, em meios tons que sugerissem preces." É trecho de um de seus poemas, ainda inéditos.
Conhecia a quando eu não passava dos 13 anos, e ia à sua chácara, plantada à beira do Rio Paraíba, buscar inspiração na sua sabedoria.
Quantos textos não levei para ela avaliar e criticar.
Era e é severa.
Rabisca, em nome da velha amizade, textos meus, até hoje.
E cada traço só faz melhorar o escrito.
Em um de seus livros ("Contos de cidadezinha"), escreveu: "Viu as mãos ávidas de Teresa desfazerem o embrulho, viu o porta jóias de porcelana azul surgir à luz com alguma coisa de deliqüescente e maculado.
Nunca havia notado aquilo que somente as mãos trementes da mulher acusavam.
Ah! As mãos de Teresa." Fala, nesse conto, das mãos de Teresa, mas são as suas que não deixam de produzir páginas e páginas de bela literatura.
Como esta, no romance "Água Funda": "A gente passa nesta vida, como canoa em água funda.
Passa.
A água bole um pouco.
E depois não fica mais nada.
E quando alguém mexe com varejão no lodo e turva a correnteza, isso também não tem importância.
Água vem, água vai, fica tudo no mesmo outra vez."
Ou, como esta, no conto "Francisco de Angola": "Depois, os dois trabalharam por mais três.
E cinco por mais três.
E oito por mais cinco, e todos por todos, até que toda a tribo foi alforriada.
Livres! Que língua, que pena, que pincel, poderá dar uma idéia de quanto ressoa essa palavra no coração dos escravos "
Mas também escreve para crianças.
Tem um lindo compêndio chamado "Lendas e Fábulas do Brasil", com uma linguagem gostosa e cristalina.
Ruth Guimarães está lançando mais um livro, no final deste mês de setembro.
Mais um, que vai somar 52 publicados.
Este "Calidoscópio" é um monumental tratado sobre Pedro Malasartes, o pícaro, o malandro, o nosso herói folclórico sem nenhum caráter.
Um trabalho de fôlego que qualquer faculdade de antropologia e de sociologia de primeira linha deveria adotar.
Minha recomendação é esta: leiam Ruth Guimarães, conheçam Ruth Guimarães, ouçam Ruth Guimarães.
Ela já contou e ainda tem muito a contar sobre o Vale do Paraíba, suas cidades e tipicidades.
Sua literatura é nítida, como as noites de junho em Cachoeira Paulista.
E ela é uma fada.
Uma fada que nestas breves linhas eu quero homenagear.