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Carlos Drummond de Andrade

A Mesa (excerto)
E não gostavas de festa
Ó velho, que festa grande
Hoje te faria a gente.
E teus filhos que não bebem
E o que gosta de beber,
Em torno da mesa larga,
Largavam as tristes dietas,
Esqueciam seus fricotes,
E tudo era farra honesta
Acabando em confidencia.
Ai, velho, ouviria coisas
De arrepiar teus noventa.

Pois sim.
Teu olho cansado,
Mas afeito a ler no campo
Uma lonjura de léguas
Entrava nos alma adentro
E com pesar nos fitava
E com ira amaldiçoava
E com doçura perdoava
(Perdoar é rito dos pais,
Quando não seja de amantes)
" "
Mais adiante vês aquele
Que de ti herdou a dura
Vontade, o duro estoicismo.
Mas, não quis te repetir.
Achou não valer a pena
Reproduzir sobre a terra
O que a terra engolirá.
Amou.
E ama.
E amará.
Só não quer seu amor
seja uma prisão de dois,
Um contrato, entre bocejos
E quatro pés de chinelo.

Mas estamos todos vivos.
E mais que vivos, alegres.
Ninguém dirá que ficou faltando
Algum dos teus.
Por exemplo:
Ali ao canto da mesa,
Ali me vês tu.
Que tal
Fica tranquilo: trabalho.
Afinal, a boa vida
Ficou apenas: a vida
( e nem era assim tão boa
E nem se fez muito má).
Pois ele sou eu.
Repara:
Tenho todos os defeitos
Que não farejei em ti,
E nem os tenho que tinhas,
Quanto mais as qualidades.
Não importa: sou teu filho
Com ser uma negativa
Maneira de te afirmar.

Tão ralo prazer te dei,
Nenhum, talvez
Ou senão, esperança de prazer,
É, pode ser que te desse
A neutra satisfação
De alguém sentir que seu filho,
De tão inútil, seria
Sequer um sujeito ruim.
Não sou um sujeito ruim.
Descansa, se o suspeitavas,
Mas não sou lá essas coisas.
Alguns afetos recortam
O meu coração chateado.
Se me chateio Demais.
Esse é meu mal.
Não herdei
De ti essa balda.